segunda-feira, 26 de julho de 2010

“Les LIP, L’Imagination au Pouvoir” - Os LIPs, a imaginação ao poder

Em “Les LIP, L’Imagination au Pouvoir” o realizador Christian Rouaud acompanha minuciosamente os desenvolvimentos de um dos conflitos sociais mais emblemáticos da França pós-Maio 68. No Verão de 73 e perante o iminente encerramento da fábrica de relógios LIP, em Besançon, e a perspectiva de um despedimento colectivo, os trabalhadores mobilizaram-se de uma forma em tudo fora do vulgar.

Evitando a greve óbvia, optaram por uma redução de produção, que implicava paragens periódicas nas linhas de montagem. Seguiu-se a ocupação da fábrica e a apropriação do stock para venda. Até que chegaram à solução mais simples, manterem o seu local de trabalho trabalhando. Decidiram, pois, continuar a produção de relógios, fazendo uma venda directa numa loja da própria fábrica, sem intermediários e distribuindo o rendimento como salário no que eles chamavam o pagamento selvagem (”paye sauvage”).

Dando a todos a palavra perante a câmara, responsáveis sindicais, trabalhadores, patrões e até um ex-ministro, Christian Rouaud tenta perceber como este movimento captou e tocou todo um país, e como esta organização laboral que se resumia em autogestão se manteve durante alguns anos, numa resistência pacífica às leis de mercado. Os testemunhos em primeira mão são acompanhados de imagens de arquivo, num conjunto coerentemente composto e onde Rouaud deliberadamente evita o voice-over. O seu fervor estende-se à pessoa de Claude Neuschwander enviado pela facção de esquerda do patronato para assumir a direcção da fábrica após este período e que, mais tarde, acabou traído por outras vontades políticas.

“Les LIP, L’Imagination au Pouvoir” é simultaneamente uma pequena lição de história e uma utopia que parece nunca ter acontecido. A plataforma de entendimento e compromisso que teve de existir entre os dois sindicatos presentes na fábrica (CFDT e CGT) teve como base a determinação de não deixar ninguém pelo caminho, com o único e simples objectivo de salvaguardar o trabalho, evidenciando-o como um valor essencial no processo produtivo.

Este filme atesta o trabalho como um direito e a luta colectiva como um meio privilegiado na sua defesa. Sob a insígnia ON FABRIQUE, ON VEND, ON SE PAIE (“fabricamos, vendemos, pagamo-nos”) estava uma noção de solidariedade de que o mundo de hoje bem precisa de ver renovada.

Resenha pessoal feita sobre o filme em 30/08/2009

"Os LIP: a imaginação ao poder” é um registro rico daqueles dias memoráveis dos trabalhadores da LIP, que nos faz ter confiança e esperança no potencial que a classe trabalhadora tem para para se auto-organizar e constituir organizações autogestionárias, para se solidarizar e apoiar levantes sociais e enfrentar as dificuldades impostas pelas injustiças do capitalismo. Obras como estas são mais do que registros para serem guardado ou apreciados em bibliotecas ou museus, são memórias vivas e estimulo para continuar a luta.

É alimento ver nestes relatos de que a auto-organização e a autogestão surgiram entre os trabalhadores da LIP praticamente de forma espontânea, fruto da vivência e das necessidades colocadas pela realidade social da França e pela chamada “Crise do Petróleo”. Claro que ainda eram recentes os fatos históricos do “maio de 68” e por isto forte é a sua influência. Mas isto acontece de forma viva e espontânea e não nostálgica ou artificial, afinal as experiências daqueles momentos incentivaram mais a autonomia do que a domestificação dos trabalhadores.

O filme deixa claro a presença de lideranças sindicais de diferentes correntes políticas, mas expõe também o poder e a autonomia das decisões e a forma como estas foram tomadas por aqueles trabalhadores. A organicidade e a atuação dos seus dirigentes também parecem como fundamentais na construção da autogestão e do poder coletivo. Em uma fala de Charles Piaget, liderança sindical: “A vitória é não precisarmos mais de líderes”.

Coloco esta relação entre a auto-organização e a direção autogestionária em evidência, primeiro porque não acredito que a organização da luta revolucionária de um povo surja do centro-direcionante de um birot ou construída de um balão de ensaio da intelectualidade, mas sim que esta necessita, dentro de várias outros elementos conjunturais, é da auto-organização dos trabalhadores.

É por isto que acredito que experiências e vivências de luta, autonomia e autogestão são elementares para influenciar que multidões se movimentem contra a normalidade do cotidiano. Os ideais de uma sociedade comunista e libertária só podem ser frutos de experiências e vivencias da organização e do sentimento de coletivo vividos na prática. No filme, isto se expressa de diversas formas: no sequestro dos relógios, nas marchas, no choro daqueles que aprenderam viver de forma coletiva a produção e na força simbólica da palavra de ordem gravada nas faixas das Assembléias Gerais da LIP: “Nós fabricamos, nós vendemos, nós nos pagamos”.

Outro fato que impressiona no filme é a solidariedade dos trabalhadores franceses, que compraram relógios, fizeram visitas, trabalharam e marcharam pelos direitos e pela autonomia dos LIPs. Nisto me coloco a pensar que mesmo que esta fábrica de relógio seja territorialmente apenas um foco de 831 trabalhadores, acabou movimentando segundo o próprio filme uma marcha de 100.000 pessoas, ou seja, acabou levantando e simbolizando o desejo de transformação de uma grande massa do povo francês.

Claro que esta movimentação, levantou a represália das classes dominantes e do capital. Num período de crise como aquele, a elite francesa agiu para evitar que este movimento ganhasse força pelo resto do país e realimentasse a luta política tão viva naquele país. Tais períodos de crise acabam por evidenciar as contradições da luta de classe.

Pensando que vivemos hoje em um período de crise econômica, fica a esperança que novos levantes e novas LIPs poderão surgir por mundo afora. E me faz ter a certeza de que a História da Humanidade não só não acabou ou sequer está para acabar, mas de fato é que ela sequer mal começou.

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