terça-feira, 28 de dezembro de 2010

Argentina: A luta da FaSinPat Zanón e as universidades

Se é verdade que a luta educa, no caso de Zanón a luta contra o Estado, contra os patrões e contra a burocracia sindical nos traz inúmeros elementos do trabalho autogestionário como princípio educativo. Por Henrique T. Novaes [*]

Introdução

Há cerca de dez anos atrás, no dia 10 de julho de 2000, falecia o trabalhador Daniel Ferrás da futura Fábrica Sem Patrão (FaSinPat) Zanón, do pouco conhecido estado de Neuquén-Argentina.

A fábrica já estava literalmente enxuta, pois não havia nem ambulância nem tubos de oxigênio para atender o jovem trabalhador de apenas 23 anos, que morreu de ataque cardíaco.

Os estudos e pesquisas sobre esta importante experiência de luta autogestionária nos mostra que esse foi um dos estopins que levaram à ocupação da fábrica pelos trabalhadores e a reivindicação de “estatização sob controle operário”.

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Em outro texto publicado neste sítio, tentamos fazer uma síntese das bandeiras levantadas pelos trabalhadores e suas lutas concretas. Para aqueles que quiserem conferir, vejam o texto “De Neuquén para o Mundo: breve história dos bravos lutadores da FaSinPat Zanón”.

Hoje, pretendemos observar que os trabalhadores de Zanón, ao mesmo tempo que lutaram contra o Estado capitalista periférico argentino, acionaram alianças com parcelas do Estado que sobreviveram e resistiram à destruição de sua face pública: professores do Ensino Médio, professores e alunos de Universidades Públicas, Institutos de Pesquisa e Assessoria Técnica, etc.

Apoiamo-nos em nossas entrevistas realizadas no ano de 2008 e no livro Zanón – uma experiência de lucha obrera (Buenos Aires, Editora Herramienta, 2009), de Fernando Aiziczon. Cabe sublinhar que este livro – talvez o melhor que lemos nos últimos 10 anos - faz uma abordagem detalhada e por todos os ângulos do conflito que levou ao surgimento da FaSinPat Zanón.

Lutando contra o Estado capitalista periférico

Em outros textos, vimos que já havia em Neuquén um caldo de indignação contra o saqueamento da fábrica, do estado (Neuquén) e dos bens públicos do Estado argentino. Vimos também que a luta foi puxada por alguns trabalhadores do Partido dos Trabalhadores Socialistas (PTS), um partido trotskista que se originou na IV Internacional, mas que se sustenta também no caldo de cultura anticapitalista da região.

O lema dos trabalhadores deste partido é a “estatização sob controle operário”, lema nunca atendido pelo Estado argentino. Aqui surge a primeira relação de confronto entre os trabalhadores da fábrica, que apelavam pela estatização sob controle operário, e uma demanda não atendida pelo Estado, que fez vista grossa ou tentou driblar esse fato de todas as formas.

Tendo em vista o saqueamento e espoliação argentina, nunca é demais lembrar que “Basta! Que se vayan todos!” se tornou o lema do conflito de dezembro de 2001. No caso do estado de Neuquén, cabe lembrar também que os governadores se nutriram de um pacto de dominação bastante sofisticado, que lembra a Venezuela do século XX: a construção de um tímido “Estado de Bem-Estar”, feito com muito dinheiro vindo de extração de petróleo, de usinas hidrelétricas do estado de Neuquén e da arrecadação de impostos vindos da extração de minérios e produtos utilizados nas cerâmicas da região.

Um enigma permanece na mente daqueles que estudam o caso: como pode um estado como Neuquén, conhecido - ou melhor - desconhecido na América Latina pela imigração de chilenos vindos do Golpe de Pinochet, exilados argentinos que migraram para a região em função de um bispo de esquerda que acolheu inúmeros militantes, votar no MPN (Movimento Popular Neuquino), o partido que governa este estado há mais de 40 anos? Em Zanón, durante as entrevistas, um trabalhador me disse de forma irônica: “Muitos aqui ainda votam no MPN”. Numa Argentina permeada pela descrença na política, irritada com a corrupção, com a separação entre representantes e representados, etc., o poder da ideologia do MPN ainda se faz presente.

No entanto, com a implementação da contra-reforma do Estado, das privatizações, da diminuição da arrecadação de impostos, está cada vez mais difícil para o MPN se manter no poder sem apelar para a violência contra os “rebeldes” que surgem na região.

Talvez possamos dizer que Neuquén inaugurou um novo ciclo de lutas com duplos ataques: contra o Estado e contra as burocracias sindicais. Mesmo sem muitas vitórias expressivas, Zanón tece inúmeras críticas ao Estado corrupto e avesso às demandas dos trabalhadores, ao Estado policial que pune e reprime os trabalhadores. Ao mesmo tempo, nos mostra a luta contra um patrão autoritário e paternalista, que se enriquecia às custas dos trabalhadores e dos privilégios obtidos no Estado argentino: subsídios, impostos favoráveis e inúmeras regalias. Chama a atenção numa das salas de Zanón as fotos deste com Menem, estando os dois muito sorridentes.

No entanto, há contradições dentro do estado neuquino. Ao mesmo tempo que foi configurado para criar as condições gerais de produção e reprodução do capital, para “abrigar” as elites neuquinas que passaram a viver das suas benesses, etc., as lutas dos trabalhadores nas fábricas, dos professores e professoras trabalhadores no ensino médio, universitário, técnicos do executivo, deputados, etc., comprometidos em alguma medida com a construção de uma nova Argentina que saía da ditadura militar e entrava no neoliberalismo, conformaram o Estado argentino.

É sobre estas contradições e alianças feitas pelos trabalhadores de Zanón com parcelas dos professores das Universidades Públicas que iremos nos deter nas próximas linhas.

Alianças com professores da Universidade de Comahue – Neuquén e da Faculdade de Ciências Exatas e Naturais da Universidade de Buenos Aires

Nesta seção, pretendemos relatar a relação estabelecida entre o Professor Rodriguez Lupo (Universidade de Comahue), Sara Bilmes e Roberto Candal (Universidade de Buenos Aires) com a FaSinPat Zanón.

No discurso dos trabalhadores de Zanón, sempre aparece a ideia de que trabalhadores e professores devem conduzir suas lutas juntos. Apesar das especificidades de cada um, eles afirmam que “todos passam pelos mesmos problemas”. No caso do papel dos intelectuais das ciências duras, tema da nossa pesquisa de doutorado, os trabalhadores de Zanón observam que há engenheiros que “pensam o bem comum” e que “se põem a serviço dos trabalhadores”. Nenhum dos entrevistados citou o caso da explosão de consultorias nas Universidades, a atuação dos engenheiros em grandes corporações, etc., mas devem ter uma ideia razoável do que está acontecendo.

A ideia de que alguns setores da Universidade estão ao lado deles tem a ver com razões históricas. Em outros momentos da América Latina, já se tentou unificar as lutas dos movimentos sociais, principalmente de estudantes com trabalhadores. Isso pode ser visto na Reforma de Córdoba de 1918, no Cordobazo de 1969. Para o caso brasileiro, nas lutas de 1962. Sobre a Polônia, isso pode ser visto no filme de Andrej Wajda O Homem de Ferro.

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Quando iniciaram suas lutas, os trabalhadores de Zanón foram pedir ajuda a alguns setores sociais. Um grupo foi à Universidade. Eles pediam permissão para entrar nas salas de aula e tentavam “socializar o conflito, dividir com os alunos e professores o drama deles”, conforme relatou um trabalhador.

Pediam todo tipo de ajuda, desde juntar dinheiro numa caixinha para a sobrevivência imediata dos trabalhadores, até na participação de campanhas políticas. Da mesma forma, nas greves da Universidade, os trabalhadores marchavam junto com os estudantes. Quando começaram a tocar a fábrica, alguns professores foram dar aulas na fábrica, tentando explicar a realidade da luta tal como ela se dava – a Argentina “real”.

A institucionalização da relação entre Comahue e Zanón se deu com a criação do “Convenio Marco”, no ano de 2001, sob intermédio do Secretário de Extensão Juan José González, que se tornou posteriormente o assessor administrativo de Zanón.

González nos disse que, de 1998 a 2002, eles criaram vários convênios progressistas nos temas de direitos humanos, convênios com a Universidade das Madres de la Plaza de Mayo, Zanón e CTA (Central dos Trabalhadores Argentinos). Fizeram propostas para os professores da Secundária: capacitação dos professores ATEN (Asociación de los Trabajadores de la Educación de Neuquén). Criaram um mestrado em Pesquisa Educacional e outro em Educação Ambiental.

A Universidade de Comahue, apesar de ter resistido bravamente às reformas do Estado nos anos 1990, tem sofrido um intenso processo de precarização: salas de aula caindo aos pedaços, salários estagnados, professores tendo que trabalhar em três ou até quatro lugares. Para termos uma ideia, ela tem cerca de 1800 docentes, sendo que, destes, 700 têm dedicação exclusiva, uns 500 têm dedicação parcial e uns 600 têm dedicação simples. O ex-secretário González disse também que 70% dos professores são pesquisadores, mas com pesquisas de “baixo nível de utilidade social”.

Nos cursos de Ciências Sociais, alguns professores manifestaram apoio dando aulas na fábrica, marchando com eles, trazendo os trabalhadores para falar sobre a situação da fábrica, fazendo pesquisas qualitativas em serviço social, etc.

A duras penas, Griselda Franese conseguiu angariar poucos recursos da Secretaria de Extensão para criar uma memória oral dos trabalhadores de Zanón. A proposta do grupo de Franese é demasiado importante para não ser citada. Para os integrantes do projeto interdisciplinar “Escribir nuestra historia - para una escritura colectiva de las memorias de FaSinPat”, é de fundamental importância

partilhar uma reflexão em torno do conceito de extensão universitária que atravessa o nosso projeto.

Em primeiro lugar, concordamos com a definição da função social da universidade, que o estatuto da UNCo estabelece no seu artigo nº 79, a saber:

“A universidade, mediante a extensão universitária, participa do melhoramento da sociedade, através das actividades docentes e de investigação, e estabelecendo as condições para que os futuros formados participem de experiências que os impulsionem a assumir idêntico compromisso nas suas vidas pessoais”.

Esta concepção da fução social da Universidade entende que a prática universitária deve desenvolver-se em contato permanente com o meio sociale especialmente com os meios populares. Frequentemente, esta conexão traduz-se no marco das teorias condutivistas (de estímulo-resposta) como uma mera tranferência de conhecimento da universidade para a sociedade. Assim se dá valor ao conceito de “educação bancária”, segundo Paulo Freire, compreendendo a sociedade como um receptáculo vazio que nós, os universitários, devemos preencher de saberes.

Desta noção de extensão surge, no que diz respeito à Lei de Educação Superior (LES), a crença de que o contacto com o meio social deve ser realizado através das empresas. Isto deve-se a que o discurso neoliberal entende as empresas como o actor mais eficiente e eficaz para conseguir o desenvolvimento regional e nacional. Dentro desta lógica, se as empresas conseguirem um importante lucro económico no país, o país cresce e portanto aumento o bem-estar social. Nesta visão, continuam a observar-se tendências positivistas nas relações causais e deterministas entre as variáveis mencionadas.

Além disso, dentro desta percepção, a extensão universitária é equiparada à venda de serviços a terceiros, o que representa uma nova forma de incorporação de dinheiro nas universidades. Assim sendo, cauciona-se a criação de fundações, sociedades comerciais e cooperativas que, na prática, funcionaram como verdadeiras “caixas pretas” [sacos azuis] das autoridades universitárias. Neste sentido, e com o objectivo de obter ganhos, estas fundações adstritas às universidades e aos conselhos de extensão avaliam e selecionam os projectos com base na rentabilidade.

No entanto, a extensão universitária não é a redução à venda de serviços ou conhecimentos, nem deve limitar-se a um contacto exclusivo com as empresas.

Pelo contrário, de um ponto de vista relacional interativo, a extensão universitária é um “construir com”, um “fazer com o/a outro/a”, estabelecendo um diálogo entre saberes construídos na universidade e os saberes e experiências coletivas das organizações e movimentos sociais.

Por isso, cremos que os projectos de extensão da nossa universidade devem apontar para responder a questões socio-culturais colocadas pelas pessoas, coletivos e instituições (estatais, escolares, comunitárias) da região. Deste modo, os projetos convertem-se em ações coletivas, que se fundam e edificam nos saberes de todos os participantes, que nele se envolvem e por ele são afetados.

Em síntese, partilhamos plenamente da concepção de extensão universitária que desenvolve o projeto de democratização dos estudantes do Comahue: extensão é estender para a sociedade a construção do conhecimento, não o conhecimento em si mesmo. A extensão universitária não é senão uma ferramenta concreta que representa a construção do conhecimento como co-produção do mesmo, que fomenta a construção do tecido social e fomenta a construção coletiva do saber.

- Extensão universitária é “pensar com a FaSinPat” e não “pensar pela FaSinPat”.
- Extensão universitária é dialogar, e não ditar, divulgar ou transferir.
- Extensão universitária é aprender a perguntar, não apenas ter respostas preparadas.
- Extensão universitária é ter conhecimento disponível para a luta contra a dominação e o abuso de poder.
- Extensão universitária é também “aprender a não saber” para dar lugar a que o otro e a outra exprimam o seu saber.
- Extensão universitária é mais expectativa do que magistério.
- Extensão universitária é escuta inteligente e não apenas fala sapiente.
- Extensão universitária é interação, caminho com dois sentidos.
- Extensão universitária é consciência gerada por experiências concretas, que visam desnaturalizar a ordem hegemónica imposta.
- Extensão universitária é imbricar o conhecimento académico com as experiências sociais
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Os professores Chirico, Borgognoni e Supicichi, do curso de Serviço Social, conseguiram verbas da Itália para fazer um levantamento do perfil dos trabalhadores de Zanón. Nas engenharias, a “briga é mais em baixo”, como disseram os alunos, pois gira ao redor de apenas um professor, Aníbal Rodriguez Lupo, e alguns estudantes do centro acadêmico e da disciplina de Qualidade.

Mesmo não sendo o foco da nossa análise, a relação entre os alunos de engenharia e ciências sociais é bastante controversa. Para os engenheiros, há preconceitos de ambos os lados e que estão tentando reatar os laços entre os “surdos” e os “quadrados”.

Veremos na seção seguinte que Rodriguez Lupo e seus alunos deram opinião sobre a forma como poderiam se organizar os trabalhadores, obviamente de uma forma diferente da antiga hierarquia de trabalho. Eles também ajudaram a fazer a manutenção e reparo das máquinas para colocá-las em marcha novamente.

A Engenharia da Universidade de Comahue, o professor Lupo e seus alunos

Alguns estudantes nos disseram que a “faculdade de engenharia é de direita, mas, quando cortam as verbas, todos os setores da Universidade se juntam”. Em Neuquén, a maior parte do emprego é gerado pelas empresas petroleiras e suas subcontratadas. Em grande medida, a oferta de engenheiros atendia a esta demanda.

Rodriguez Lupo é um dos poucos professores que apoiam a luta dos trabalhadores e os alunos de esquerda confiam nele. A título de curiosidade, um trabalhador disse que Lupo é “una mescla rara: peronista nacionalista y católico”. Ele tem um vasto curriculum. Já trabalhou em fábrica de couro, numa mina de ferro, numa empresa de pasta de celulose e na central nuclear de Neuquén. No ano de 1990, houve um concurso para a disciplina de organização industrial.

Além das marchas na rua, a ajuda dos engenheiros se deu principalmente em cinco questões: a) inspeção da fábrica Zanón, b) manutenção das máquinas, c) modificação parcial da organização do trabalho, d) proposta de melhoria da qualidade dos azulejos, e) orientações para melhorar o aproveitamento energético. Abordemos brevemente cada um desses pontos.

Ainda no calor das primeiras lutas pela expropriação de Zanón, os engenheiros foram chamados para fazer as inspeções de gás e averiguaram que esta era uma fábrica “segura, sem riscos de acidentes”.

Disso eles fizeram um manual de segurança, e este episódio não pode deixar de ser narrado. Um aluno estava fazendo um manual de segurança para a fábrica. Depois de algum tempo, os trabalhadores perceberam que ele era “meio de direita” e não o deixaram mais trabalhar e nem tirar fotos da fábrica.

Na disciplina optativa sobre “qualidade”, cerca de 12 alunos estão fazendo trabalhos sobre melhoria de qualidade dos azulejos. Eles vão à fábrica semanalmente para avaliar as possibilidades de melhoria da qualidade dos azulejos [1]. Alguns engenheiros eletrônicos também tiveram um “imenso desafio”, pois os robôs não estavam andando. Três engenheiros eletrônicos se dispuseram a ajudar e resolver o problema.

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Sobre as mudanças na organização do processo de trabalho, o professor e os alunos reconhecem que quando se faz uma proposta técnica, nem sempre tudo é aceito, em função das estruturas de poder na fábrica. Os trabalhadores sempre têm a autonomia para aceitar ou não as propostas feitas por eles. Para Lupo, tem que persuadir, não se pode impor, tem que convencer.

Uma das sugestões foi a de utilizar a figura do coordenador de seção (no lugar do chefe) e fazer debates semanais. Um dos alunos disse que não é verdade que é “totalmente horizontal”. No entanto, comparado a antiga hierarquia e o paternalismo que imperava, há modificações. Para termos uma ideia, cada setor tinha um uniforme com cor diferente. Quando se transitava em algum setor diferente, logo era reprimido. Como dizem os trabalhadores: “era da casa para o trabalho, do trabalho para casa”. Ainda para este estudante, “hoje há demasiada libertinagem, falta de controle e anarquia. Alguns tendem a abusar”.

Os estudantes conhecem muitos colegas de engenharia que trabalharam em Zanón antes das lutas pela expropriação. Dizem que era uma fábrica taylorista clássica (ainda que o processo de trabalho na maior parte seja de fluxo contínuo). Os engenheiros eram “autoritários, rígidos. Incorporavam a figura de mando”.

No ano de 2006, os trabalhadores queriam aumentar a produção e não sabiam o que fazer para atingir tal objetivo. Decidiram então incentivar a produção através de “iscas”: aumento de salário proporcional ao aumento da produção, uma velha fórmula capitalista. Depois, vieram contar para o professor Rodriguez Lupo e ele logo disse: “já sei a resposta: aumentou a produção, mas caiu a qualidade!”.

Desde 2006, a realidade da FaSinPat Zanón está mais dura. Com a crise energética na Argentina, o aumento da concorrência capitalista e a crise no campo, a fábrica passa por um momento de instabilidade econômica.

No ano de 2006, Lupo, junto com o INTI (Instituto Nacional de Tecnologia Industrial – instituição pública criada nos anos 1950 para prestar assessoria técnica às pequenas e médias empresas) e um engenheiro da INVAP (empresa pública que atua na área de tecnologia espacial) estão ajudando a cuidar da questão energética, em função da crise que assola o país. Eles estão estudando e analisando o consumo da fábrica, etc. para melhorar a sua eficiência energética [2].

No início, produziram quase nada. Hoje produzem cerca de 380 mil metros quadrados. O Governo está multando as empresas que têm excesso de consumo. Para piorar, o ano para o cálculo de excesso foi de 2005. Apesar da produção estar em franca ascensão, ainda em 2005 representava uma capacidade da planta muito inferior à metade da capacidade produtiva, o que os prejudicou. Alguns interpretam este fato como uma política indireta do governo para fazer esta nova semente morrer antes que se espalhe. Ao não considerar as especificidades da FaSinPat, elevando o patamar de consumo para outra quantidade que não a atual, o governo está promovendo uma quebra indireta da fábrica.

Mauricio Schneebeli, da INVAP, faz curso de engenharia na UnCo. Além dele, alguns técnicos do INTI regional estão avaliando a fábrica para ver o que pode ser feito. Para tentar driblar a crise energética, os trabalhadores recorreram até mesmo à compra de dois geradores de 90 mil dólares cada. Até o momento, não foram utilizados.

Os azulejos auto-limpantes: os químicos da UBA entram em cena

Para falar da relação entre a FaSinPat Zanón e os químicos da Universidade de Buenos Aires, teremos que relatar brevemente o papel de Pablo Levin, um economista da UBA, e fazer um retrospecto da FCEyN (Faculdade de Ciências Exatas e Naturais) nos anos 1960. Acreditamos que há um anseio de se retomar as lutas universitárias e operárias dos anos 1960, renascer das cinzas, mesmo que isso não apareça explicitamente no discurso dos entrevistados.

Pablo Levin, professor de economia (UBA) que chegou a ajudar os trabalhadores de Zanón por seis meses, fez alguns seminários sobre a situação da Argentina e, nestas palestras, tentava convencer os pesquisadores a colaborarem com a causa das fábricas recuperadas. Numa dessas palestras, vieram 2 trabalhadores de Zanón falar sobre a situação da fábrica e a ajuda de que necessitavam da Universidade. Foi aí que Sara Bilmes e Raul Carrota (matemático que estuda a questão tecnológica na Argentina, marido de Sara) viram a possibilidade de pesquisar os azulejos auto-limpantes. Em 2006, o projeto dos azulejos auto-limpantes concorreu ao programa “exactas con la sociedad” e venceu.

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Sara Bilmes acredita que faz uns 20 anos que a faculdade de ciências tem um governo de esquerda, “peronista-progressista”. Nesta faculdade, diz ela, “não se faz nada para proveito próprio”. Posteriormente entrevistamos Alicia Massarini, uma egressa da FCEyN que hoje é professora do Mestrado em Política e Gestão da Ciência e Tecnologia (UBA). Ela parte de uma opinião diferente, pois acredita que o decano da FCEN é “cientificista”, está em vigência a figura do “publicar, publicar” e a extensão é marginal, tanto em termos de pontos no curriculum quanto em termos de financiamento. Massarini também disse que por demanda dos alunos de graduação e os auxiliares de professores, eles tiveram um curso crítico sobre Ciência, Tecnologia e Sociedade, inclusive resgatando o debate dos anos 1960. Cerca de 200 alunos fizeram este curso.

Perguntei se era distinto trabalhar com uma empresa convencional e uma fábrica recuperada. Eles também disseram que esse projeto não é prioridade para Zanón, pois “a prioridade é fazer a fábrica andar com o que há”.

Só se aprende na escola? O recado dos trabalhadores de Zanón

João Bernardo já observou que a participação em órgãos livremente eleitos, com rodízio de funções e revogabilidade dos cargos, tem uma função pedagógica para os trabalhadores. Se é verdade que a luta educa, no caso de Zanón a luta contra o Estado, contra os patrões e contra a burocracia sindical nos traz inúmeros elementos do trabalho autogestionário como princípio educativo: o rodízio nos postos estratégicos, o papel das assembleias, a quebra da separação entre concepção e execução, o questionamento do sistema salarial, a necessidade de desmercantilização e expansão das lutas para além dos muros desta fábrica, etc. Evidentemente que esta experiência não está isenta de contradições e de limites impostos pelos problemas concretos da classe trabalhadora.

Podemos dizer que muitos educadores e trabalhadores que vão “visitar” Zanón, em alguma medida, vivenciam a pedagogia desta luta, não só ao ouvirem os relatos de como ela foi, mas também ao observar o surgimento – ainda embrionário - de novas relações de produção. Outros são “contaminados” pela expansão política da experiência, na medida em que os trabalhadores de Zanón estão juntando os trabalhadores “classistas”. Disso podemos depreender que a FaSinPat Zanón também educa para o novo: educa para a luta, educa pela e para a autogestão, educa para a necessidade de unificação dos movimentos sociais, etc.

Nunca é demais lembrar que Pistrak e o grupo de educadores russos praticaram e pensaram nestas questões para a Rússia revolucionária. As “escolas-comuna” tinham a auto-organização dos alunos e o trabalho não alienado como princípios fundantes, inserindo os alunos nas lutas concretas dos trabalhadores, combinando muito bem a necessidade de compreender a história do ponto de vista materialista, o presente e o novo – a necessidade de construção de uma sociedade para além do capital. Cabe reconhecer que este projeto pedagógico foi posto em prática na URSS entre 1917 e 1931, mas foi sufocado pelo avanço do stalinismo, uma aberração anti-marxista.

Segundo Luiz Freitas, pesquisador que fez a apresentação do livro de Pistrak A escola-comuna (Editora Expressão Popular, 2009), os primeiros pedagogos soviéticos, pós Revolução de 1917, foram calados ou assassinados na década de terror estalinista – os anos 1930. Esta geração teve seu trabalho brutalmente interrompido. Toda uma geração ilustre e criativa de pedagogos altamente comprometidos com a causa dos trabalhadores: Blonskiy, Krupskaya, Lunacharskiy, Pokrovskiy, Pistrak, Pinkevich, Shulgin, Krupenina, entre outros, foi suprimida pela força (Freitas, 2009, p. 81-82). Para citar apenas o caso Pistrak, Freitas observou que este foi fuzilado após 3 meses de prisão.

Nunca é demais lembrar que todos esses temas “educacionais” aparecem com bastante precisão, ainda que de forma embrionária, nas lutas dos communards de 1871, no início da Revolução de 1917, no Cordobazo de 1969 (Argentina) e em outros momentos históricos que questionaram a sociedade de classes e as bases da exploração dos trabalhadores.

Acredito que as escolas num sentido amplo: a) separam as classes sociais – colocando trabalhadores ao lado de trabalhadores e elite ao lado de elite; b) imprimem a ideologia da “ascensão social através do próprio esforço”, da qualidade total, do conformismo ou da obediência civil; c) preparam – junto com uma rede de agências formativas que envolve a mídia, os partidos conservadores, as propagandas, etc. - os jovens consumidores para uma vida alienada. Segundo István Mészáros: “Além da reprodução, numa escala ampliada, das múltiplas habilidades sem as quais a atividade produtiva não poderia ser realizada, o complexo sistema educacional da sociedade é também responsável pela produção e reprodução da estrutura de valores.”

Por outro lado, a escola Zanón vem ensinando seus trabalhadores a se auto-organizar e lutar por uma sociedade para além do capital, a superar as classes sociais e as bases da exploração, mostrando para os futuros trabalhadores - alunos das escolas públicas neuquinas - o anticonformismo e a necessidade da desobediência civil, negando na prática a máxima neoliberal de que “não há alternativa”.

Notas

[*] Autor da tese: “A relação Universidade-Movimentos sociais na América Latina: habitação popular, agroecologia e fábricas recuperadas” (DPCT, Unicamp, 2010). Pode ser obtida em: http://libdigi.unicamp.br/document/?code=000477937
hetanov@yahoo.com.br
[1] Sobre os alunos de hoje em dia, o professor Lupo reclama que “em 1975, todos perguntavam, em 1990, todos calados”. Ninguém pergunta, temos uma apatia geral. Também afirma que houve uma redução drástica do conteúdo dado e que todos estão bem “disciplinados”.
[2] Para maiores detalhes sobre o INTI, ver http://www.inti.gov.ar e Novaes, Serafim e Dagnino (2009).

A segunda foto inserida neste texto é do fotógrafo Martin Barzilai (www.martin-barzilai.com).

sexta-feira, 8 de outubro de 2010

Equador: Nota de Atilio Boron sobre o frustrado golpe de estado

Atilio Boron

ALAI AMLATINA, 01/10/2010.

1. O que aconteceu ontem no Equador?

Houve uma tentativa de golpe. Não foi, como disse vários meios de comunicação na América Latina, uma "crise institucional", um conflito entre os poderes Executivo e Legislativo, mas uma insurreição aberta ao primeiro , da Polícia Nacional, cujos números estão um pequeno exército de 40.000 homens, contra o Comandante em Chefe das Forças Armadas do Equador, que é ninguém menos que o presidente legitimamente eleito. Também não foi o que disse Arturo Valenzuela, Subsecretário de Estado para Assuntos Interamericanos, "um ato de indisciplina policial”. Seria assim caracterizado, o que fez a Polícia Nacional do Equador, se o equivalente acontecesse nos EUA, se espancassem e agredissem fisicamente Barack Obama, ferindo; o seqüestrando e o mantendo em custódia por 12 horas em um hospital da polícia até que um comando especial do Exército o libertasse, depois de um intenso tiroteio? Provavelmente não, mas como ele é um presidente latino-americano, o que soa como aberração intolerável, aqui aparece como uma brincadeira de escola.

Em geral, toda a mídia oligopolizada deu uma versão distorcida do que aconteceu ontem, cuidadosamente, evitando falar de uma tentativa de golpe. Em vez disso, se referiram a um "levante policial", que, obviamente, faz com que os acontecimentos de quinta-feira em uma história relativamente de menor importância. É um velho truque da direita, sempre interessada na desvalorização dos ultrajes cometidos pelos seus adeptos e para ampliar os erros ou problemas de seus oponentes. Então, é bom recordar as palavras pronunciadas nesta sexta-feira, de manhã, pelo presidente Rafael Correa, ao caracterizar o incidente como uma "'conspiração' para cometer um golpe de Estado". Conspiração, pois, como foi mais do que evidente no dia de ontem, havia outros atores que manifestaram o seu apoio ao golpe de Estado: por acaso não foram os efetivos da Força Aérea Equatoriana, e não da Polícia Nacional, que paralisaram o Aeroporto Internacional deQuito e o pequeno aeroporto utilizado para vôos provinciais? E nenhum grupo político chegou a apoiar o golpe nas ruas e praças? Não era o próprio advogado do ex-presidente Lucio Gutiérrez, um dos fanáticos que tentaram entrar à força nas instalações da Televisão Nacional do Equador? Não foi dito, por acaso, pelo prefeito de Guayaquil, e grande rival do presidente Correa, Jaime Nebot, que se tratava de um conflito de poder entre uma presonagem de caráter autoritário e despótico, Correa, e um sector da polícia, errado em sua metodologia, mas com razão em suas reivindicações? Esta falsa distância entre as partes no conflito foi uma confissão indireta de sua complacência sobre eventos atuais e seu profundo desejo de se livrar de seu, pelo menos até agora, invencível inimigo político. Para não falar da lamentável posição do movimento "indígena" Pachakutik, que no meio da crise tornou pública uma convocatória aos "movimentos indígenas, movimentos sociais, organização democráticas, para formar uma frente única nacional para exigir a demissão do presidente Correa. " A vida lhe dá surpresas ", disse Pedro Navaja, mas nenhuma surpresa quando se observa as generosas contribuições da USAID e do National Endowment for Democracy tem feito nos últimos anos para" empoderar "a cidadania equatoriana através de seus partidos e movimentos sociais.

2. Por que falhou o golpe de Estado?

Basicamente por três razões: primeiro, pela rápida e eficaz mobilização de grandes sectores da população equatoriana, que apesar do perigo que existia, passou a ocupar ruas e praças para mostrar seu apoio ao presidente Correa. Ocorreu o que sempre deve ocorrer em casos como estes: a defesa da ordem constitucional se efitiva quando realizada diretamente pelo povo, agindo como um protagonista e não como um mero espectador das lutas políticas de seu tempo. Sem a presença do povo nas ruas e praças, que Maquiavel havia advertido 500 anos atrás, não há república que resista à investida dos protetores da velha ordem. O quadro institucional é insuficiente para garantir a estabilidade da democracia. As forças de direita são muito poderosas e dominam este quadro há séculos. Somente a presença ativa, militante, do povo nas ruas pode impedir um golpe.

Em segundo lugar, o golpe pode ser interrompido porque a mobilização popular que se desenvolveu muito rapidamente no Equador foi acompanhada por uma rápida e contundente solidariedade internacional, que começou a se efetivar antes de saírem as primeiras notícias sobre o golpe e que, entre outras coisas, precipitou uma oportuna convocação de uma reunião urgente e extraordinária da Unasul, em Buenos Aires. O claro apoio obtido por Correa dos vários governos da América do Sul e de vários europeus surtiu efeito porque pôs em evidência que o futuro dos golpistas se tivessem obtido sucesso, seria condenado ao ostracismo e ao isolamento internacional político e econômico. Provou mais uma vez que a Unasul funciona e é eficaz, ea crise se resolveu, como antes na Bolívia, em 2008, sem a intervenção de interesses externos na América do Sul.

Em terceiro, mas não menos importante, pela coragem demonstrada pelo presidente Correa, que não deu o braço a torcer e resistiu firme ao assédio e a detenção de que foi vítima, embora fosse óbvio que sua vida corria perigo, no último momento, quando ele deixava o hospital, seu carro foi alvejado com claras intenções de acabar com sua vida. Correa demonstrou a coragem necessária para empreender com perspectivas de sucesso grandes desafios políticos. Se ele tivesse vacilado, se tivesse intimidado ou deixado se submeter aos planos de seus raptores teria sido outro o resultado. A combinação desses três fatores: a mobilização popular interna, a solidariedade internacional ea coragem do presidente acabou por produzir o isolamento dos rebeldes, enfraquecendo a sua resistência e facilitar a operação de resgate realizada pelo Exército do Equador.

3. Pode acontecer novamente?

Sim, porque os fundamentos do golpismo têm raízes profundas nas sociedades latino-americanas e na política externa dos Estados Unidos para essa parte do mundo. Se analisarmos a história recente dos nossos países verifica se tentativas de golpes aconteceram na Venezuela (2002), a Bolívia (2008), Honduras (2009) e Equador (2010), ou seja, em quatro países caracterizados por estarem em processos significativos de transformação económica e social e também por estarem integrados na ALBA. Nenhum governo de direita foi perturbado por golpe de Estado, cujo a simbologia da política oligárquica e imperialista está oculta. Assim, o campeão mundial da violação dos direitos humanos, Alvaro Uribe, com seus milhares de pessoas desaparecidas, as suas fossas coletivas, os seus "falsos positivos" - nunca teve que se preocupar com insurreições militares durante os oito anos de seu mandato. E é pouco provável que outros governos de direita da região sejam vítimas de uma tentativa de golpe de Estado nos próximos anos. Das quatro tentativas de golpe que aconteceram desde 2002, três fracassaram e apenas uma, em Honduras contra Manuel Zelaya foi coroada com êxito. Deste fato, é importante ressaltar o seu desempenho surpreendente, no meio da noite, impedindo que a notícia fosse conhecida já na manhã seguinte e povo tivesse tempo para sair e ganhar as ruas e praças. Quando o fez já era tarde demais, porque Zelaya tinha sido exilado. Além disso, neste caso, a resposta internacional foi lenta e morna, sem a necessária rapidez e força demonstrada no caso do Equador. Lição a ser aprendida: a velocidade da reação democrática e popular é essencial para desativar a seqüência de ações e processos golpistas, que a partir de um entrelaçamento de simples iniciativas, com a ausência de obstáculos, se reforçam e alcançam seu objetivo. Sea resposta popular não surge de imediato, o processo se retroalimenta, e quando se quer para-lo, é tarde demais. O mesmo se aplica à solidariedade internacional, que para ser efetiva tem queser imediata e intransigente na defesa da ordem política prevalecente. Felizmente essas condições aconteceram no caso do Equador, e por isso a tentativa golpista fracassou. Mas não deve haver ilusões: a oligarquia eo imperialismo tentarão novamente, talvez por outros meios, derrubar os governos que não se curvam aos seus interesses.

- Dr. Atilio A. Boron, diretor do Programa Latinoamericano de Educación a Distancia en Ciencias Sociales (PLED), Buenos Aires, Argentina www.centrocultural.coop/pled - http://www.atilioboron.com

quarta-feira, 29 de setembro de 2010

“Marxismo latino-americano, Imperialismo, e a conjuntura político-econômica de nosso continente”

O Jornal Brasil de Fato e a Escola Nacional Florestan Fernandes, dando continuidade ao esforço de debater os temas relevantes para a transformação da realidade da sociedade brasileira, realizará no Distrito Federal o II Curso sobre Conjuntura, intitulado “Marxismo latino-americano, Imperialismo e a conjuntura político-econômica de nosso continente”.

O curso está organizado em dois eixos, um voltado para o resgate e debate da atualidade de grandes e originais pensadores marxistas latino-americanos, e outro direcionado a análise da influência e desdobramento do imperialismo estadunidense e do subimperialismo brasileiro na recente dinâmica política e econômica da América Latina.

Assim como na exitosa edição anterior do curso, teremos quatro módulos semanais durante o mês de novembro de 2010, dado espaço a pesquisadores e militantes que vem contribuindo com a interpretação da América Latina sob a perspectiva marxista.

As datas, temas e palestrantes para o curso são as seguintes:

Dia 04/11 (Quinta-feira)

A Teoria Marxista da Dependência no Brasil - de Ruy Mauro Marini aos dias de hoje

Local: Auditório Joaquin Nabuco (Faculdade de Direito/Unb)

Horário: das 19h as 22hs

Prof. Fernando Corrêa Prado

Instituto de Estudos Latino-Americanos – IELA/UFSC

Nostromo - Revista Crítica Latino-americana – Universidade Nacional Autônoma do México

Dia 10/11 (Quarta-Feira)

O pensamento de José Carlos Mariátegui e José Arico: contribuições do marxismo latino-americano para análise da atualidade

Local: Auditório do Departamento de Sociologia da Unb

Horário: das 19h as 22hs

Juliana Amoretti

Doutora em Ciências Sociais, pelo Centro de Estudos Comparados Sobre As Américas – CEPPAC/Unb.

Raphael Lana Seabra

Doutorando em Sociologia – SOL/Unb


Dia 19/05 (Sexta-feira)

O subimperialismo brasileiro

Local: Auditório Joaquin Nabuco (Faculdade de Direito/Unb)

Horário: das 19h as 22hs

Profª. Roberta Traspadini

Escola Nacional Florestan Fernandes

Dia 25/05 (Quinta-feira)

Integração e Imperialismo na América Latina

Local: Auditório Joaquin Nabuco (Faculdade de Direito/Unb)

Horário: das 19h as 22hs

Prof. Marcelo Buzetto

Universidade Metodista de São Paulo – UMESP

Coordenador Núcleo de Estudos Latino-Americanos (Nelam/Cufsa)

MST- São Paulo

Número de vagas: 100 vagas, abertas a todos os interessados

Taxa de Inscrição:

  • Assinantes do Jornal Brasil de Fato

- R$ 50,00 (cinquenta reais), destinados a cobrir os custos de deslocamento e estadia dos palestrantes;

- Material de apoio com textos sobre os temas;

- Certificado de participação emitido pela Escola Nacional Florestan Fernandes – ENFF

  • Não assinantes do Jornal Brasil de Fato

- R$ 135,00 (cento e trinta e cinco reais), com direito a assinatura anual (52 exemplares) do Jornal Brasil de Fato;

- Material de apoio com textos sobre os temas;

- Certificado de participação emitido pela Escola Nacional Florestan Fernandes – ENFF

Inscrições

* Solicitar ficha de inscrição pelo correio eletrônico ccpbdf@gmail.com

* Data limite para pagamento da taxa de inscrição: dia 29/10/2010

* Formas de pagamento

  • Depósito bancário
  • Cartão de Crédito Visa ou Mastercard, em até quatro vezes sem juros, (opção valida apenas para não assinantes)
Realização

Jornal Brasil de Fato - http://www.brasildefato.com.br/v01/agencia

Escola Nacional Florestan Fernandes

Assembleia Popular – Distrito Federal


Informações e ficha de inscrição:

ccpbdf@gmail.com

domingo, 12 de setembro de 2010

11 de setembro chileno


Allende: "Se eu for ferido, me dê um tiro"




O médico Danilo Bartulín, que viveu os últimos momentos do presidente chile
no, reconstrói o assalto golpista a La Moneda

Juan Jesús Aznárez

O palácio de La Moneda ardia por todos os lados
depois do intenso bombardeio golpista, e os militares rebeldes já mostravam seus fuzis pelas esquinas da rua Morande, convencidos de que nesse dia, 11 de setembro de 1973, deteriam o "comunista vendedor da pátria" entrincheirado no edifício sob ataque. Em um dos salões, o presidente constitucional do Chile, Salvador Allende, disparando com a metralhadora presenteada por Fidel Castro, pediu um último favor a Danilo Bartulín: "Você foi meu melhor e mais leal amigo. Se eu for ferido, me dê um tiro". "O senhor é o último que deve morrer aqui. Antes morreremos nós", respondeu Bartulín.
A traição havia se apoderado da marinha em Valparaíso e depois dos quartéis de todo o
país. A esquadrilha que atacava a sede do governo em Santiago efetuou 14 passagens sobre o edifício onde resistiam o presidente e 32 fiéis, e as 28 bombas lançadas pelos caças reduziram a escombros parte de suas instalações e as esperanças dos combatentes.

As tropas encarregadas de invadir o prédio obedeciam ao general Augusto Pinochet, que tinha sido nomeado chefe do exército por
seus méritos na repressão ao golpe de 29 de julho contra o governo socialista da União Popular. Por volta das 10 da manhã de 11 de setembro, um ajudante-de- campo comunicou que Pinochet estava disposto a enviar um veículo para transportar o presidente até sua presença. Danilo Bartulín, então com 33 anos - médico pessoal de Allende, seu confidente político e amigo da alma, membro da direção do Grupo de Amigos Pessoais (GPA), lembra a resposta do homem que perderia a vida sem ter renunciado à presidência: "Diga-lhe isto: que um presidente digno recebe na presidência; se ele quer parlamentar, que venha aqui". Nunca conseguiu falar com Pinochet, nem com o generalato que se levantou contra seu governo.

"Allende, de capacete na cabeça, estava tranqüilo, muito sereno, mas decepcionado. Os assessores militares de La Moneda lhe disseram: 'Veja, todas as forças armadas estão no golpe, é melhor renunciar'. Ele lhes respondeu: 'Vocês ponham-se à disposição de seus comandos, que eu ficarei aqui como presidente'. Pouco antes transmitiria pela Rádio Magallanes o discurso da despedida; as acusações contra a deslealdade militar, as ambições da oligarquia nacional e sua sujeição a Washington: 'Eu não renunciarei! Colocado em um transe histórico, pagarei com minha vida a lealdade ao povo (...). Continuem vocês sabendo que, muito mais cedo do que tarde, novamente se abr
irão as alamedas por onde passe um homem livre para construir uma sociedade melhor". Allende morreu sem saber se sua voz havia sido escutada. O bombardeio fora anunciado para as 11 e começou 10 minutos antes do meio-dia. "A primeira bomba me atirou ao chão e os vidros me fizeram um corte na mão", diz Bartulín.

Por que o golpe? "Talvez o processo de reformas tenha sido rápido demais", afirma o médico de Allende, que salvou sua vida milagrosamente depois de um ano e meio de detenção e torturas selvagens. O exílio o levou ao México por dez anos e outros 20 em Cuba, dedicado ao comércio exterior.

Salvador Allende havia ganhado as eleições de 1970 em coalizão com os comunistas e outros partidos menores, e durante os primeiros mil dias de seu mandato efetuou reformas que causaram irritação entre o empresariado e a burguesia militar e civil: nacionalizou os
bancos, estatizou os setores chaves da economia e executou uma reforma agrária que em apenas um ano expropriou mais de 2 milhões de hectares.

Os EUA, ainda em Guerra Fria com a União Soviética, baixaram o polegar. Richard Nixon ocupava a Casa Branca; Henry Kissinger, o Departamento de Estado e George Bush pai estavam à frente da CIA. "Imagine o trio", salienta Bartulín. A extrema-esquerda socialista também pressionava para impor suas políticas no precário governo da União Popular.

Os efeitos da pressão nacional e estrangeira e a cumplicidade dos setores da Democra
cia Cristã que souberam da conspiração militar foram fulminantes; também pesou a decisão de Allende de comunicar a Pinochet, em quem então confiava, sua decisão de convocar um plebiscito sobre seu mandato. Os conjurados aceleraram a insurreição para impedi-lo. "Na manhã do bombardeio, Allende reuniu todos nós no salão de conferências e cerimônias de La Moneda. Éramos cerca de 60 pessoas, mas ficaram 33. Ele nos disse: 'Só tem obrigação de ficar comigo minha guarda pessoal, e se quiserem todos os que tiverem uma arma e saibam disparar'."

Danilo Ba
rtulín era um dos chefes da guarda pessoal. Usava pistola. Naquele dia tinha duas. Os helicópteros já metralhavam o palácio neoclássico inaugurado dois séculos antes. "Allende disse: 'Vamos procurar os lugares de defesa: os balcões, as janelas, de onde se possa disparar'. Bartulín despediu-se por telefone de seus três filhos, de 10, 9 e 8 anos. "Papai, e a guarda do palácio? E os generais amigos?" Não havia.

O presidente e seu colab
orador abrigaram-se entre duas paredes espessas, perto da cozinha. "Allende me pede um pedaço de pão. Dou-lhe o pedaço de pão, e como havia uns frangos cortados eu lhe disse: 'Doutor, vou cozinhar porque talvez não bombardeiem nunca'. Mas começaram logo. A esquadrilha de Hawker Hunters bombardeou à vontade durante meia hora. Os dois amigos, que se haviam irmanado politicamente desde os anos de ativismo universitário, se agacharam juntos para se proteger dos impactos e ondas expansivas que derrubaram paredes e provocaram incêndios nos quatro pontos cardeais do edifício governamental. Os sitiantes lançaram bombas lacrimogêneas, os sitiados vestiram as máscaras antigás e o pessoal de formação militar disparou bazucas e metralhadoras pesadas contra o esquadrão de blindados posicionado nos acessos de La Moneda. Bartulín cita o presidente dando ordens, disposto ao martírio pela causa: "Que todo mundo dispare. Não há rendição!"

As bombas não mataram, mas seu efeito foi demolidor sobre o ânimo de alguns leais. Doze dias antes o presidente havia se reunido com dirigentes da Democracia Cristã, na casa do cardeal Raúl Silva, para tentar evitar o levante. Saiu da reunião abatido: "Essa gente não quer nada". Tudo indica que os democratas-cristã
os ambicionavam a Presidência da República pela
s mãos dos militares, para Eduardo Frei. O fiel assessor de Allende, o colaborador de suas entrevistas, agenda e reflexões, teve uma idéia para abortar a quartelada: mobilizar a opinião pública internacional. "Doutor, aqui só está nos restando uma saída. O senhor toma um avião e vai para a cúpula de Argel [Conferência do Movimento dos Países Não-alinhados], e depois vá para Roma e fale com o papa", aconselhou Bartulín. Allende tinha avaliado essa opção, e durante uma semana um avião esteve pronto para decolar para Argel, mas os partidos não autorizaram a viagem do presidente ao exterior.

"Depois do bombardeio chega um momento em que as pessoas que estavam em La Moneda me pedem que fale com o presidente para que se renda", revela Danilo Bartulín, pela primeira ve
z durante a conversa com este jornal para reconstituir as últimas horas de Allende. O médico Arturo Girón e Eduardo Paredes, ex-chefe da Polícia Civil, junto com o responsável militar do GAP, conhecido por Carlos, pedem que Bartulín convença Allende da inutilidade da resistência.

La Moneda era uma pira, e a água dos encanamentos arrebentados pelos tiros caía pelas escadas e inundava os salões do palácio, submetido ao fogo cruzado. Não havia por onde disparar e os militares estavam em cima. "Presidente, me pediram para dizer que perder uma batalha não é perder a guerra, e que a situação é insustentável. Allende me disse que sim, aceitava a rendição." Os médicos amarram um avental branco a uma vassoura e o mostram pela janela.

Não houve tempo para mais. Os pelotões irromperam pela porta do número 80 da rua Morande. Bartulín é detido porque se encontrava junto desse acesso, e de boca para baixo é moído a coronhadas. Allende lutava no segundo andar e o general Javier Palacios foi buscá-lo. Afirmou que havia se suicidado. "Qualquer versão é possível, também a do assassinato. Não há testemunhas presenciais" , salienta Bartulín.

O calvário posterior do jovem chileno de origem iugoslava, que jogava xadrez com Allende até de madrugada, que foi seu mensageiro em tarefas políticas confidenciais e que esteve ao seu lado até o final, sim, teve testemunhas.

Durante meses lhe aplicaram choques elétricos nu, simularam seu fuzilamento, o arrebentaram de golpes e mil vezes ele acreditou morrer nas mãos de carrascos que desfrutaram o suplício. "Você devia ter envenenado o Chicho [Allende]. Seria famoso." A única notoriedade ambicionada por Danilo Bartulín foi a resultante de sua lealdade ao legado de Salvador Allende, do qual nunca abdicou.


Danilo Bartulín em 1998
Ao lado de retrato de Allende




Saiba mais:

Governo Allende:
Chile: Os mil dias da Unidade Popular (1970-1973)
Documentário: A Batalha do Chile
Ficção: Machuca

sábado, 11 de setembro de 2010

Chile: Os mil dias da Unidade Popular (1970-1973)

Augusto Buonicore

A vitória de Allende

Em janeiro de 1970 a Unidade Popular ainda não tinha decidido quem seria o seu candidato à presidência da República. Existia certa resistência ao nome do socialista Salvador Allende que havia sido derrotado por três vezes consecutivas. Enquanto se desenvolviam as negociações, o Partido Comunista lançou o seu próprio candidato: o poeta Pablo Neruda. No entanto, a situação exigia a unidade das forças de esquerda e, finalmente, chegou-se a um acordo em torno do nome do candidato socialista.

A Unidade Popular (UP) foi composta pelos partidos socialista, comunista, radical, social-democrata, Movimento de Ação Popular Unitário (Mapu) e Ação Popular. As duas principais forças eram a socialista e a comunista. O Partido Socialista podia ser considerado a extrema-esquerda da Internacional Socialista. Muitos de seus dirigentes se diziam marxista-leninistas e defendiam Cuba socialista. O Partido Comunista do Chile, por sua vez, era o maior partido da esquerda e, nas últimas eleições, tinha conseguido aproximadamente 17% dos votos e eleito 21 deputados e 5 senadores.

A campanha da UP ganhou o país e mobilizou centenas de milhares de trabalhadores. Todos pressentiam que chegara a hora da esquerda chilena. Mais de 400 mil pessoas se reuniram no último comício realizado na capital. Em 4 de setembro de 1970 Allende venceu por uma margem bastante apertada. Ele obteve 36,6% dos votos, Jorge Alessandri do Partido Nacional (direita) 34,8% e Radomiro Tomic da Democracia Cristã 27%. Uma multidão tomou as ruas de Santiago.

Contudo, a guerra ainda não havia sido ganha. Como nenhum dos candidatos obteve maioria absoluta dos votos cabia ao Congresso Nacional, no qual a UP era minoria, confirmar o candidato vencedor. Começou, assim, uma intensa pressão da burguesia sobre os parlamentares democrata-cristãos para que não aceitassem o resultado das urnas.

A CIA trama contra a posse de Allende

Num discurso pronunciado em 14 de setembro de 1970, o secretário de Estado estadunidense Henry Kissinger afirmou: "É muito fácil prever que a vitória de Allende possibilitará o estabelecimento de um governo comunista. Nesse caso, não se trata de um governo desse tipo numa ilha sem tradição e nem impacto na América Latina (...). A evolução da política chilena é muito séria para os interesses da segurança nacional dos Estados Unidos".

Em 21 de setembro a CIA enviou um telegrama aos seus agentes em Santiago: "O propósito da operação é evitar que Allende assuma o poder. O suborno do Parlamento foi descartado. O objetivo é a solução militar". Um relatório da embaixada norte-americana enviado à Kissinger afirmava: "o general Schneider tem que ser neutralizado, tirado da frente se por preciso". O comandante-em-chefe do Exército, general René Schneider, era um legalista e se opunha aos projetos golpistas da direita militar. Por isto, segundo a CIA, ele precisava ser eliminado.

No começo de outubro outra mensagem chegou à capital chilena: "Criar um clima de golpe mediante propaganda, desinformação e atividades terroristas destinadas a provocar a esquerda para ter um pretexto para um golpe". Alguns dias depois um agente da CIA em Santiago informou sua sede em Washington que o "general Viaux propôs seqüestrar os generais Schneider e Prats dentro das próximas 48 horas". A resposta foi: "Informar a esses oficiais golpistas que o governo dos EUA lhes dará apoio total no golpe." Os americanos não só sabiam do plano terrorista de matar o comandante do Exército chileno como o apoiavam. O próprio adido militar dos Estados Unidos entregou três metralhadoras aos oficiais golpistas, liderados por Viaux e Valenzuela, que assassinariam o general Schneider no dia 25 de outubro.

O fato ocorreu poucas horas antes da votação no Congresso que deveria homologar o nome de Allende. A CIA exultou: "24 horas da reunião do Parlamento, um clima de golpe existe no Chile (...) o atentado contra o general Schneider produziu conseqüências muito próximas das previstas no plano de Valenzuela (...). Em conseqüência, a posição dos conspiradores foi reforçada". Ledo engano.

O país ficou consternado e o resultado acabou sendo desfavorável às forças de direita. A ala democrática da Democracia Cristã venceu e, em 24 de outubro, o congresso acabou reconhecendo a vitória de Allende. Em troca exigiu a aprovação do Estatuto de Garantias Constitucionais pelo qual o novo governo socialista ficava proibido de mexer nos meios de comunicação privados, na educação e nas Forças Armadas. Um acordo que o novo governo cumpriu religiosamente nos seus mil dias conturbados.

O primeiro ministério refletiu a nova correlação de forças existente no Chile. Dele participavam cinco ministros socialistas, três comunistas, três radicais, um do MAPU, um da AP e um da esquerda independente. A esquerda havia conquistado o governo e não o poder. Os poderes legislativo e judiciário continuavam firmes nas mãos de representantes da burguesia. A subestimação deste dado da realidade criou perigosas ilusões no seio das forças socialistas chilenas.

As medidas econômicas e sociais do governo Allende

Uma das principais bandeiras da UP foi a nacionalização das minas de cobre. O cobre representava cerca de 80% das exportações chilenas e estava nas mãos de três grandes monopólios estrangeiros: a Anaconda, a Kennecott Cooper e a Serro.

A lei de nacionalização foi aprovada em 11 de julho de 1971 com o voto unânime do congresso nacional - nem a direita entreguista teve coragem de votar contra um anseio tão profundo da nação chilena. O governo também nacionalizou as indústrias do ferro e do salitre. Interveio na Companhia de Telefones do Chile, que era filial da poderosa ITT norte-americana e estatizou o sistema bancário, nele se incluía o City Bank. As nacionalizações feriram profundamente os interesses privados das companhias estadunidenses.

Após a estatização dos bancos o governo orientou o crédito para os pequenos e médios produtores e para projetos de desenvolvimento industrial e social. Houve uma significativa redução dos juros. Reativou-se o setor de construção civil, adotando uma ousada política de construção de casas populares.

Foram estabelecidas relações diplomáticas e comerciais com Cuba, China, Vietnã e Coréia do Norte. Realizou-se uma reforma agrária abrangente que resultou na quase extinção do latifúndio improdutivo. Neste período expropriaram-se cinco milhões de hectares em benefício de mais de 40 mil famílias.

As medidas econômicas e sociais adotadas levaram a que no primeiro ano de governo a produção industrial aumentasse em 12% e o PIB crescesse 8,3%, índice inédito até então. Reduziu o nível de desemprego e ocorreu um processo rápido de recuperação salarial. A participação dos assalariados na renda nacional subiu de 53% para 61%. A CUT foi legalizada e passou de 700 mil para 1 milhão de filiados.

Todas as crianças chilenas passaram a ter o direito a meio litro de leite por dia. O governo Allende ampliou drasticamente os serviços médicos e escolares. Estas medidas levaram a uma redução significativa da mortalidade infantil e dos níveis de analfabetismo. A previdência foi estendida para 330 mil pequenos comerciantes e feirantes e 130 mil pequenos industriais, artesãos, desportistas profissionais etc.

Em abril de 1971, a UP teve mais uma estrondosa vitória nas eleições municipais. Ela conseguiu 50,2% dos votos enquanto a DC atingiu 27% e o PN apenas 20%. A votação refletiu a rápida mudança de espírito das massas populares - um deslocamento para esquerda - e reforçou a tese sobre a possibilidade de um "via chilena para o socialismo". Esta se daria pela articulação do avanço institucional da esquerda, através das eleições, e a mobilização e organização das massas populares.

A ofensiva conservadora contra o governo popular

Desde a posse de Allende o imperialismo norte-americano, em conluio com setores da grande burguesia, implementou um plano metódico de destruição da economia chilena. De repente, os créditos externos desapareceram, houve uma corrida aos bancos e os capitais foram enviados ilegalmente para o exterior.

No mês de outubro de 1972 eclodiu a greve dos caminhoneiros que foi seguida por uma greve no comércio, nos transportes urbanos, nos hospitais particulares etc. Era uma greve insurrecional da burguesia. Neste período mais de trezentas mil cabeças de gado foram contrabandeadas e dez milhões de litros de leite atirados nos rios para que não chegassem nas mesas das crianças pobres. A terra não foi semeada e a produção de alimentos caiu catastroficamente.

Em pouco tempo começou a faltar alimentos nas grandes cidades. Proliferou o mercado negro e incentivou-se o processo inflacionário. O governo só não caiu graças a mobilização e a auto-organização popular. Diante da tentativa da burguesia em parar a nação, os trabalhadores ocuparam as fábricas fechadas e as mantiveram produzindo num ritmo superior a média anterior. Os camponeses ocuparam as fazendas paralisadas. Nas cidades, as comunas organizaram o abastecimento e montaram brigadas para ir ao campo ajudar na colheita e no transporte. Realizaram-se tentativas heróicas de furar o cerco imposto pela greve dos caminhoneiros. Diante da ameaça de golpe formaram-se os "cordões industriais", como instrumento de autodefesa proletária. O povo chileno tomou em suas mãos desarmadas a defesa da revolução.

O resultado desta ofensiva golpista foi a redução do nível de crescimento e o PIB caiu para 5% em 1972. Mesmo assim, esse índice não foi tão catastrófico como poderia ter sido sem a mobilização dos trabalhadores para vencer a sabotagem do imperialismo e dos monopólios. A situação econômica se tornou mais grave em 1973.

A Democracia Cristã: entre a cruz e a espada

A eleição de Allende só foi possível graças aos votos dos deputados da DC - liderados por Tomic. Durante mais de seis meses existiu um relativo entendimento entre congresso e o executivo. No entanto, vários acontecimentos minaram esta relação e colocaram a maioria da DC no colo do Partido Nacional.

Em 8 de junho de 1971 um agrupamento de extrema-esquerda assassinou o ex-ministro democrata-cristão Edmundo Zukovic. Existia uma forte suspeita que por trás das mãos dos terroristas estava a CIA. A ala direita da DC aproveitou-se da oportunidade para neutralizar a ala democrática do partido e exigiu o rompimento de todos os acordos com o governo.

Ainda em julho ocorreu, em Valparaíso, uma eleição complementar para a vaga de um deputado da DC que tinha falecido. Ali a UP havia conseguido 49% dos votos em março. Allende, então, propôs que ela apoiasse o candidato da DC e colocasse como condição que ele não fosse contra o governo. A UP recusou e lançou candidato próprio. O Partido Nacional retirou sua candidatura e apoiou, pela primeira vez, o candidato democrata-cristão - a condição agora é que ele fosse da oposição. A campanha foi dura e houve troca de acusações. O resultado da disputa foi a derrota da UP e o fortalecimento da ala direita da DC. No mesmo mês a ala esquerda daquele partido se desligou e formou o Movimento de Esquerda Cristã, que solicitou ingresso na UP.

A CIA compreendeu a importância desta eleição e destinou 150 mil dólares para o candidato oposicionista. Rompeu-se assim o equilíbrio partidário que permitiu a vitória de Allende em 1970 e foi se constituindo uma ampla frente de oposição que adquiriu um caráter golpista. O governo começou a ficar isolado no parlamento. Dias mais difíceis viriam.

No dia 10 de novembro de 1971 Fidel Castro chegou ao Chile para uma visita. Ele ficou no país por três semanas. Antes que partisse, milhares de mulheres da burguesia e das classes médias realizaram uma grande manifestação denominada "Marcha da Panela Vazia". A manifestação "pacífica" era acompanhada por grupos paramilitares de direita que tentavam provocar os carabineiros e criar distúrbios nas ruas.

O resultado das provocações direitistas foi um grave confronto que deixou vários feridos. Pela primeira vez na história chilena a polícia desbaratava, com firmeza, uma manifestação provocadora da burguesia. Indignado o presidente da Federação dos Estudantes da Universidade Católica afirmou: "acusamos o governo de transformar o corpo de carabineiro em um aliado impudico das forças marxistas". Formou-se uma cadeia nacional contra o governo Allende. Todo este movimento de "guerra psicológica" era patrocinado pelo governo norte-americano. Foi decretado o Estado de Emergência na capital para conter novas manifestações da direita.

Consolidou-se, assim, o rompimento da DC com a UP e sua aproximação definitiva com o Partido Nacional. O Congresso passou a exigir a demissão do ministro do interior, José Toha. A Câmara de Deputados votou a destituição do ministro. A decisão inconstitucional foi confirmada pelo Senado. Os três comandantes em chefe das Forças Armadas reconheceram o direito de Allende de nomear e demitir ministros. A Corte Suprema também confirmou a prerrogativa constitucional do presidente da República. No final de 1971, a legalidade ainda jogava do lado da UP.

Esta foi uma clara manobra da direita parlamentar no sentido de alterar o regime político, passando poderes do presidente progressista para um congresso conservador. Tentativa que, naquele momento, não obteve o resultado esperado. Estabeleceu-se, assim, uma clara ruptura entre os poderes da República. O parlamento se constituiu num obstáculo permanente para a ação do governo legítimo. O congresso não aprovava mais nenhum projeto do executivo e, ao mesmo tempo, não tinha quorum suficiente para destituí-lo. Abriu-se uma crise institucional de grande proporção.

As Classes Médias e o Governo Allende.

Apesar disto, um setor importante das classes médias veio a engrossar o movimento oposicionista ao governo Allende. Por trás desta posição estavam certas predisposições ideológicas provenientes de sua posição social particular no modo de produção capitalista. Um das principais características da ideologia da classe média é o medo da proletarização.

No caso dos países capitalistas dependentes existia um agravante, como afirmou Altamirano: "as classes médias dos países de capitalismo dependente (...) gozam de um quadro de privilégios relativos. Seu padrão de vida é significativamente superior ao das grandes massas empobrecidas da cidade e do campo. Aqui existe um desnível de vida consideravelmente maior que nos países capitalistas avançados, entre as massas populares, de um lado, e grande parte dos intelectuais, dos empregados e da pequena burguesia ligada ao comércio, aos transportes, de outro. Essa particularidade dificulta uma aliança objetiva com o proletariado; como o processo revolucionário deve forçosamente impor uma distribuição de renda eqüitativa para as grandes massas, a deterioração relativa dos setores médios é quase inevitável".

Para entender a essência do discurso da direita para as classes médias, utilizando de seus preconceitos arraigados, o autor utilizou uma imagem bastante interessante: "Foi como se a burguesia lhes tivesse sussurrado ao ouvido: 'Cuidado! Nós somos os primeiros, mas depois virão vocês (...). Hoje expropriam as grandes empresas, mas terminarão por estatizar até os pequenos negócios (...). Foi sempre assim em todos os países socialistas (...). De modo que a gente precisa se defender juntos'". E assim foi feito. Quando do golpe militar a propaganda terrorista anticomunista já tinha realizado o seu trabalho e uma parte da classe média estava plenamente convencida que "comunista bom é comunista morto!" e quem ainda apoiava Allende só podia ser comunista.

Terrorismo e Golpe de Estado

O clima de guerra civil e as dificuldades econômicas, impostos pela grande burguesia e o imperialismo, não haviam conseguido diminuir o prestígio do governo diante das classes populares. Nas eleições parlamentares de março de 1973, a UP conquistou 44% dos votos e se consolidou como principal organização política do Chile. O aumento do número de parlamentares progressistas inviabilizou a idéia do golpe branco, parlamentar, visando destituir Allende. Agora só havia um caminho para a oposição rebelada: o golpe militar.

Apesar da relativa redução dos votos, em relação às eleições municipais de 1971, o que podia ser constatado era um aumento constante do número absoluto de eleitores da UP: um milhão em 1970, um milhão e quatrocentos mil em 1971 e um milhão e seiscentos mil em 1973. A maioria dos trabalhadores assalariados ainda estava com Allende.

Acompanhando o crescimento da UP ocorreu o crescimento da violência promovida pela extrema-direita. Em fevereiro de 1972 o alto comando militar já havia desbaratado um plano para assassinar Allende. Foram presos vários oficiais e civis ligados ao grupo fascista "Pátria e Liberdade". Por trás do complô estavam alguns generais. Neste mesmo período, dezenas de militantes de esquerda foram assassinados. Em 26 de julho de 1973 o próprio comandante Arturo Araya, adido naval do presidente, foi morto num atentado. Nos últimos meses do governo Allende a direita cometeu, em média, 21 atos terroristas por dia.

Sob a alegação de combater a violência crescente, o Congresso aprovou a Lei de Controle de Armas. O controle voltou-se, exclusivamente, contra o movimento popular. As Forças Armadas realizaram centenas de incursões nos bairros operários, nas fábricas, nas universidades em busca de armas. Os grupos para-militares de direita não foram molestados. Era uma medição de forças para o combate que se aproximava.

Os acontecimentos se sucederam num ritmo que atropelou a própria esquerda. Em maio de 1973, setores militares ujá haviam decidido dar o golpe de Estado. Para ajudar no clima de desestabilização, os empresários patrocinaram uma greve no transporte urbano. Em resposta, em 21 de junho, a Central Única dos Trabalhadores chilena realizou uma greve geral contra o golpismo e em apoio ao governo. Um milhão de trabalhadores desfilou pelas ruas de Santiago.

Poucos dias depois, no dia 29, ocorreu uma primeira tentativa golpista. Um regimento de blindados tentou atacar o Palácio presidencial. O próprio general Prats, numa ação corajosa, se dirigiu pessoalmente para as tropas insurretas e deu ordem de prisão aos seus comandantes. Ele pagaria caro pelo seu ato.

Prats era então o comandante-em-chefe do Exército e havia sido indicado para o Ministério do Interior após a greve patronal de outubro de 1972. Era um legalista fervoroso e um obstáculo aos intentos golpistas. Isto levantou contra ele o ódio dos setores direitistas da sociedade e das Forças Armadas. Em 21 de agosto centenas de mulheres realizaram um ato na frente de sua residência exigindo sua renúncia e dirigindo insultos contra sua honra. Eram as esposas e filhas da alta oficialidade. Os generais, como era o esperado, não se solidarizaram com seu comandante. Prats foi obrigado a renunciar e com ele saíram vários generais legalistas. Estavam abertas as portas para o golpe militar.

Aproveitando o clima existente, a Democracia Cristã fez aprovar na Câmara dos Deputados uma resolução declarando a "ilegitimidade" do governo. Novamente os trabalhadores tiveram que responder as manobras de direita e realizaram uma gigantesca manifestação na qual cerca de 800 mil pessoas saíram às ruas gritando: "Allende, Allende, o povo te defende!". Sem o saber, esta seria a última homenagem que o povo chileno prestaria ao seu valoroso presidente. Era 3 de setembro.

O Golpe de 11 de Setembro

Nas primeiras horas da madrugada do dia 11 de setembro a marinha se sublevou em Valparaíso, depois de participar de uma manobra conjunta com a marinha norte-americana. As primeiras notícias eram confusas. Pouco a pouco foi ficando claro que se tratava de um golpe militar dirigido pela cúpula das Forças Armadas. A frente de todas as operações golpistas estava o novo comandante-em-chefe do Exército, um dos homens de confiança de Prats e do próprio presidente. Ele se chamava Augusto Pinochet.

Ao receber as notícias das operações militares, Allende se dirigiu ao Palácio da Moneda. Com este pequeno grupo de homens e mulheres o presidente enfrentou por horas os ataques de tropas de infantaria, blindados e os temidos bombardeiros Hawker Hunter. Às 9 horas da manhã ainda pensou em distribuir armas para os trabalhadores. Convocou o comandante-em-chefe dos Carabineiros, general Sepulveda, e perguntou-lhe:

─ General, só resta distribuir armas ao povo. O senhor pode fazê-lo?
─ Distribuir armas, eu? Como quer que eu distribua armas?

Naquele momento as últimas tropas leais dos carabineiros se retiravam. O comando já não estava mais nas mãos do estupefato general.

Depois de mais de dois anos de governo não havia sido construída nenhuma estratégia para responder a um possível golpe militar, apesar das inúmeras ameaças e do crescimento da violência fascista. Confiou-se integralmente nos dispositivos militares legalistas de Allende. Quando este falhou, o governo e o povo ficaram sem uma alternativa viável. Os poucos agrupamentos armados de estudantes e de operários foram prontamente massacrados numa luta desigual. Milhares morreram esperando os regimentos leais ao governo. Uma página heróica e trágica da história dos trabalhadores latino-americanos.

Uma proposta de constituição de uma comissão militar integrada por oficiais leais e dirigentes ligados a Unidade Popular foi rejeitada. Apenas no final de agosto de 1973 começou a ser aventada a possibilidade de aplicação da lei de Defesa Civil que permitiria articular os carabineiros, ainda leais ao governo, e as organizações populares e sindicais. Esta era uma lei de 1945 e visava defender o país quando ele estivesse em perigo iminente. O plano não conseguiu sair do papel diante da oposição.

Na verdade, como afirmou Altamirano, "faltou à Unidade Popular a capacidade de prever a alterar as formas de luta quando isto se tornou necessário". Agarrou-se às instituições do Estado burguês quando a burguesia já as havia abandonado e caminhava abertamente no sentido da insurreição armada. Continuou: "Mas não era viável nem possível a manutenção de uma linha política institucional até iniciar a 'construção do socialismo', sem provocar rupturas. Por exclusiva vontade das classes dominantes, a confrontação devia produzir-se nalgum momento desse itinerário. E, por isto, o processo devia obrigatoriamente, contar com uma estrutura defensiva militar." Recuar, fazendo novas concessões à Democracia Cristã, ou avançar, rompendo a legalidade burguesa. Uma decisão nem sempre fácil de ser tomada.

Este, talvez, tenha sido o grande dilema e uma das limitações da experiência de "via chilena para o socialismo". Mas, os possíveis erros não devem encobrir o heroísmo da esquerda chilena e de seu valente presidente. As últimas palavras de Allende ainda repercutem na alma do seu povo: "Diante desses fatos, só me cabe dizer aos trabalhadores: não vou renunciar (...) pagarei com minha vida a lealdade do povo (...). Outros chilenos superarão esse momento amargo em que a traição pretende se impor; continuem sabendo que muito mais cedo que tarde novamente se abrirão as grandes avenidas por onde passará o homem livre, para construir uma sociedade melhor. Viva o Chile! Viva o povo! Vivam os trabalhadores!". Em poucos minutos cairia morto o companheiro presidente e o povo nas barricadas e nas ruas responderia: "Allende, presente! Agora e sempre!".

Bibliografia:

ALTAMIRANO, Carlos. Dialética de uma derrota. São Paulko: Brasiliense, 1979

ALEGRIA, Fernando. Allende, a paz pelo socialismo, São Paulo: Brasiliense, 1983

DEBRAY, Régis. Conversación com Allende. México: Siglo Veintiuno, 1973

GARCÉS, Joan. Allende e as armas da política. São Paulo: Scritta, 1993

HARNECKER, Marta. Tornar possível o impossível. São Paulo: Paz e Terra, 2000

JARA, Joan. Canção inacabada: a vida de Victor Jara. Rio de Janeiro: Record, 2002

MARÍN, Gladys. "Salvador Allende en el centro da la conciencia de los pueblos" in La Insignia, Chile: janeiro de 2003

MORAES, João Quartim de. Liberalismo e Ditadura no Cone Sul. IFCH-Unicamp, 2003

Augusto César Buonicore é historiador e membro do Comitê Central do PCdoB

sexta-feira, 3 de setembro de 2010

Carta dos 4 Rios

Nós, povos indígenas, negros e quilombolas, mulheres, homens, jovens de comunidades rurais e urbanas da Amazônia brasileira, participantes do I Encontro dos Povos e Comunidades Atingidas e Ameaçadas por Grandes Projetos de Infra-Estrutura, nas bacias dos rios da Amazônia: Madeira, Tapajós, Teles Pires e Xingu, em Itaituba, oeste do Pará, entre os dias 25 e 27 de agosto de 2010, vimos através desta carta denunciar a todas as pessoas que defendem a Vida que:


Historicamente no Brasil todos os grandes projetos de infra-estrutura sempre trouxeram destruição e morte aos modos de vida dos seus povos originários e populações tradicionais em benefício de grandes grupos econômicos. A construção de hidrelétricas como a de Tucuruí, no Pará, Samuel em Rondônia, Estreito no Tocantins e Balbina no Amazonas são exemplos claros dos males que esse modelo de desenvolvimento produz.

As ameaças que vêm sofrendo as populações dos rios Madeira, Tapajós, Teles Pires e Xingu também são motivos de nossas preocupações, ocasionadas pelos falsos discursos de progresso, desenvolvimento, geração de emprego e melhoria da qualidade de vida, vendidos pelos governos e consórcios das empresas em uma clara demonstração do uso da demagogia em detrimento da informação verdadeira, negada em todo o processo de licenciamento e implantação dos empreendimentos, a exemplo do que vem ocorrendo no rio Madeira, onde a construção dos complexos hidrelétricos de Santo Antonio e Jirau já expulsou mais de três mil famílias ribeirinhas de suas terras, expondo-as a marginalidade, prostituição infanto-juvenil, tráfico e consumo de drogas, altos índices de doenças sexualmente transmissíveis e assassinatos de lideranças que denunciam a grilagem de terra por grandes latifundiários, estes os “grandes frutos” desse modelo de desenvolvimento.

Condenamos o autoritarismo que seguidos governos militares e civis utilizaram e ainda utilizam contra as populações vulneráveis com o uso da força, expulsão da terra, da criminalização dos movimentos sociais, da ameaça física, da cooptação de lideranças e a completa exclusão das suas opiniões dos chamados processos de licenciamentos.

Condenamos a privatização de nossos recursos naturais que provocam insegurança e degradação de povos, culturas e sabedorias milenares, das nossas florestas, dos nossos rios e da nossa sociobiodiversidade.

Condenamos também os grandes empreendimentos por significarem acúmulo de capital, concentração de terras e de poder político sobre nossas vidas.

Defendemos:

Que aliança dos Povos e Comunidades da Pacha Mama, da Pan-Amazônia se fortaleça a cada passo dado rumo à construção de um novo mundo possível.

O “bem viver” como princípio de vida em contraponto à lógica da acumulação, da competição, do individualismo, da superexploração dos trabalhadores e trabalhadoras e dos nossos recursos naturais;

Um projeto de integração de nossos povos, com respeito à sociobiodiversidade e aos nossos modos tradicionais de produção que geram qualidade de vida e segurança alimentar;

Queremos nossos Rios Vivos e Livres, por isso exigimos:

A suspensão total e imediata da construção de barragens em nossos rios;

Que sejam acatados os estudos de diversos especialistas que propõem a repotenciação das UHEs mais antigas;

Investimentos imediatos na melhoria da qualidade das linhas de transmissão de energia;

Que o Plano Decenal de Expansão Energética aumente a percentagem de investimentos em pesquisas e implementação de fontes de energias verdadeiramente limpas e renováveis.

VIVA A ALIANÇA DOS POVOS DOS RIOS E DAS FLORESTAS!

Itaituba, PA, Pan Amazônia, 27 de agosto de 2010.

Assinam esta Carta:

Aliança Tapajós Vivo; Movimento Xingu Vivo para Sempre; Movimento Rio Madeira Vivo; Movimento Teles Pires Vivo; Movimento dos Atingidos por Barragens; Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira; Fórum da Amazônia Oriental; Fórum da Amazônia Ocidental; Fórum Social Pan-Amazônico; Frente de Defesa da Amazônia; Comitê Metropolitano do Movimento Xingu Vivo para Sempre; Prelazia do Xingu; Instituto Universidade Popular; FASE-Amazônia; International Rivers; Associação Etno-Ambiental Kanindé; Instituto Madeira Vivo; Coordenação da União das Nações e Povos Indígenas de Rondônia, noroeste do Mato Grosso e sul do Amazonas; Rede Brasileira de Justiça Ambiental; União dos Estudantes de Ensino Superior de Santarém; Movimento em Defesa da Vida e Cultura do Rio Arapiuns; Terra de Direitos; Fundo Mundial para a Natureza; Fundo DEMA; Instituto Amazônia Solidária e Sustentável; Centro de Apoio Sócio Ambiental; Comitê Dorothy; Comissão Pastoral da Terra; Conselho Indigenista Missionário; Conselho Indígena Tapajós-Arapiuns; Grupo de Defesa da Amazônia; Federação das Associações dos Moradores e organizações Comunitários de Santarém, Federação das Organizações Quilombolas de Santarém;União de Entidades Comunitárias de Santarém; Sociedade Paraense de Direitos Humanos; Vivalt Internacional Brasil; Comissão Verbita Jupic – Justiça, Paz e Integridade da Criação; MMCC – Pará – Movimento de Mulheres do Campo e da Cidade do Pará; Fórum dos Movimentos Sociais da BR 163; MMTACC – Movimento de Mulheres de Altamira Campos e Cidade; Movimento de Mulheres do Campo e da Cidade Regional BR- 163 – Pará; Movimento de Mulheres do Campo e da Cidade – Regional Transamazônica Xingu; SOCALIFRA; Nova Cartografia Social da Amazônia; Grupo de Trabalho Amazônico Regional Transamazônico Xingu;Associação do Povo Indígena Juruna do Xingu – Km 17; Associação de Resistência Indígena Arara do Maia; Coordenação das Associações de Remanescentes de Quilombos do estado do Pará – MALUNGU; Sindicato dos Trabalhadores e Trabalhadoras Rurais de Santarém; Reserva Extrativista Tapajós-Arapiuns; Movimento Juruti em Ação; Fórum de Mulheres da Amazônia Paraense; Grupo de Mulheres Brasileiras; Articulação de Mulheres Brasileiras; Comissão em Defesa do Xingú; Associação dos Produtores Rurais da Volta Grande do Xingu; Aliança Francisclareana; Associação indígena Kerepo; Fórum dos Movimentos Sociais; Associação Indígena Pusurú; Conselho indígena Minduruku do Alto Tapajós; Associação Suíço-Brasileira Batista de Apoio na Amazônia (Missão Batista); Associação Indígena Pahyhy’p; .