terça-feira, 28 de dezembro de 2010

Argentina: A luta da FaSinPat Zanón e as universidades

Se é verdade que a luta educa, no caso de Zanón a luta contra o Estado, contra os patrões e contra a burocracia sindical nos traz inúmeros elementos do trabalho autogestionário como princípio educativo. Por Henrique T. Novaes [*]

Introdução

Há cerca de dez anos atrás, no dia 10 de julho de 2000, falecia o trabalhador Daniel Ferrás da futura Fábrica Sem Patrão (FaSinPat) Zanón, do pouco conhecido estado de Neuquén-Argentina.

A fábrica já estava literalmente enxuta, pois não havia nem ambulância nem tubos de oxigênio para atender o jovem trabalhador de apenas 23 anos, que morreu de ataque cardíaco.

Os estudos e pesquisas sobre esta importante experiência de luta autogestionária nos mostra que esse foi um dos estopins que levaram à ocupação da fábrica pelos trabalhadores e a reivindicação de “estatização sob controle operário”.

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Em outro texto publicado neste sítio, tentamos fazer uma síntese das bandeiras levantadas pelos trabalhadores e suas lutas concretas. Para aqueles que quiserem conferir, vejam o texto “De Neuquén para o Mundo: breve história dos bravos lutadores da FaSinPat Zanón”.

Hoje, pretendemos observar que os trabalhadores de Zanón, ao mesmo tempo que lutaram contra o Estado capitalista periférico argentino, acionaram alianças com parcelas do Estado que sobreviveram e resistiram à destruição de sua face pública: professores do Ensino Médio, professores e alunos de Universidades Públicas, Institutos de Pesquisa e Assessoria Técnica, etc.

Apoiamo-nos em nossas entrevistas realizadas no ano de 2008 e no livro Zanón – uma experiência de lucha obrera (Buenos Aires, Editora Herramienta, 2009), de Fernando Aiziczon. Cabe sublinhar que este livro – talvez o melhor que lemos nos últimos 10 anos - faz uma abordagem detalhada e por todos os ângulos do conflito que levou ao surgimento da FaSinPat Zanón.

Lutando contra o Estado capitalista periférico

Em outros textos, vimos que já havia em Neuquén um caldo de indignação contra o saqueamento da fábrica, do estado (Neuquén) e dos bens públicos do Estado argentino. Vimos também que a luta foi puxada por alguns trabalhadores do Partido dos Trabalhadores Socialistas (PTS), um partido trotskista que se originou na IV Internacional, mas que se sustenta também no caldo de cultura anticapitalista da região.

O lema dos trabalhadores deste partido é a “estatização sob controle operário”, lema nunca atendido pelo Estado argentino. Aqui surge a primeira relação de confronto entre os trabalhadores da fábrica, que apelavam pela estatização sob controle operário, e uma demanda não atendida pelo Estado, que fez vista grossa ou tentou driblar esse fato de todas as formas.

Tendo em vista o saqueamento e espoliação argentina, nunca é demais lembrar que “Basta! Que se vayan todos!” se tornou o lema do conflito de dezembro de 2001. No caso do estado de Neuquén, cabe lembrar também que os governadores se nutriram de um pacto de dominação bastante sofisticado, que lembra a Venezuela do século XX: a construção de um tímido “Estado de Bem-Estar”, feito com muito dinheiro vindo de extração de petróleo, de usinas hidrelétricas do estado de Neuquén e da arrecadação de impostos vindos da extração de minérios e produtos utilizados nas cerâmicas da região.

Um enigma permanece na mente daqueles que estudam o caso: como pode um estado como Neuquén, conhecido - ou melhor - desconhecido na América Latina pela imigração de chilenos vindos do Golpe de Pinochet, exilados argentinos que migraram para a região em função de um bispo de esquerda que acolheu inúmeros militantes, votar no MPN (Movimento Popular Neuquino), o partido que governa este estado há mais de 40 anos? Em Zanón, durante as entrevistas, um trabalhador me disse de forma irônica: “Muitos aqui ainda votam no MPN”. Numa Argentina permeada pela descrença na política, irritada com a corrupção, com a separação entre representantes e representados, etc., o poder da ideologia do MPN ainda se faz presente.

No entanto, com a implementação da contra-reforma do Estado, das privatizações, da diminuição da arrecadação de impostos, está cada vez mais difícil para o MPN se manter no poder sem apelar para a violência contra os “rebeldes” que surgem na região.

Talvez possamos dizer que Neuquén inaugurou um novo ciclo de lutas com duplos ataques: contra o Estado e contra as burocracias sindicais. Mesmo sem muitas vitórias expressivas, Zanón tece inúmeras críticas ao Estado corrupto e avesso às demandas dos trabalhadores, ao Estado policial que pune e reprime os trabalhadores. Ao mesmo tempo, nos mostra a luta contra um patrão autoritário e paternalista, que se enriquecia às custas dos trabalhadores e dos privilégios obtidos no Estado argentino: subsídios, impostos favoráveis e inúmeras regalias. Chama a atenção numa das salas de Zanón as fotos deste com Menem, estando os dois muito sorridentes.

No entanto, há contradições dentro do estado neuquino. Ao mesmo tempo que foi configurado para criar as condições gerais de produção e reprodução do capital, para “abrigar” as elites neuquinas que passaram a viver das suas benesses, etc., as lutas dos trabalhadores nas fábricas, dos professores e professoras trabalhadores no ensino médio, universitário, técnicos do executivo, deputados, etc., comprometidos em alguma medida com a construção de uma nova Argentina que saía da ditadura militar e entrava no neoliberalismo, conformaram o Estado argentino.

É sobre estas contradições e alianças feitas pelos trabalhadores de Zanón com parcelas dos professores das Universidades Públicas que iremos nos deter nas próximas linhas.

Alianças com professores da Universidade de Comahue – Neuquén e da Faculdade de Ciências Exatas e Naturais da Universidade de Buenos Aires

Nesta seção, pretendemos relatar a relação estabelecida entre o Professor Rodriguez Lupo (Universidade de Comahue), Sara Bilmes e Roberto Candal (Universidade de Buenos Aires) com a FaSinPat Zanón.

No discurso dos trabalhadores de Zanón, sempre aparece a ideia de que trabalhadores e professores devem conduzir suas lutas juntos. Apesar das especificidades de cada um, eles afirmam que “todos passam pelos mesmos problemas”. No caso do papel dos intelectuais das ciências duras, tema da nossa pesquisa de doutorado, os trabalhadores de Zanón observam que há engenheiros que “pensam o bem comum” e que “se põem a serviço dos trabalhadores”. Nenhum dos entrevistados citou o caso da explosão de consultorias nas Universidades, a atuação dos engenheiros em grandes corporações, etc., mas devem ter uma ideia razoável do que está acontecendo.

A ideia de que alguns setores da Universidade estão ao lado deles tem a ver com razões históricas. Em outros momentos da América Latina, já se tentou unificar as lutas dos movimentos sociais, principalmente de estudantes com trabalhadores. Isso pode ser visto na Reforma de Córdoba de 1918, no Cordobazo de 1969. Para o caso brasileiro, nas lutas de 1962. Sobre a Polônia, isso pode ser visto no filme de Andrej Wajda O Homem de Ferro.

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Quando iniciaram suas lutas, os trabalhadores de Zanón foram pedir ajuda a alguns setores sociais. Um grupo foi à Universidade. Eles pediam permissão para entrar nas salas de aula e tentavam “socializar o conflito, dividir com os alunos e professores o drama deles”, conforme relatou um trabalhador.

Pediam todo tipo de ajuda, desde juntar dinheiro numa caixinha para a sobrevivência imediata dos trabalhadores, até na participação de campanhas políticas. Da mesma forma, nas greves da Universidade, os trabalhadores marchavam junto com os estudantes. Quando começaram a tocar a fábrica, alguns professores foram dar aulas na fábrica, tentando explicar a realidade da luta tal como ela se dava – a Argentina “real”.

A institucionalização da relação entre Comahue e Zanón se deu com a criação do “Convenio Marco”, no ano de 2001, sob intermédio do Secretário de Extensão Juan José González, que se tornou posteriormente o assessor administrativo de Zanón.

González nos disse que, de 1998 a 2002, eles criaram vários convênios progressistas nos temas de direitos humanos, convênios com a Universidade das Madres de la Plaza de Mayo, Zanón e CTA (Central dos Trabalhadores Argentinos). Fizeram propostas para os professores da Secundária: capacitação dos professores ATEN (Asociación de los Trabajadores de la Educación de Neuquén). Criaram um mestrado em Pesquisa Educacional e outro em Educação Ambiental.

A Universidade de Comahue, apesar de ter resistido bravamente às reformas do Estado nos anos 1990, tem sofrido um intenso processo de precarização: salas de aula caindo aos pedaços, salários estagnados, professores tendo que trabalhar em três ou até quatro lugares. Para termos uma ideia, ela tem cerca de 1800 docentes, sendo que, destes, 700 têm dedicação exclusiva, uns 500 têm dedicação parcial e uns 600 têm dedicação simples. O ex-secretário González disse também que 70% dos professores são pesquisadores, mas com pesquisas de “baixo nível de utilidade social”.

Nos cursos de Ciências Sociais, alguns professores manifestaram apoio dando aulas na fábrica, marchando com eles, trazendo os trabalhadores para falar sobre a situação da fábrica, fazendo pesquisas qualitativas em serviço social, etc.

A duras penas, Griselda Franese conseguiu angariar poucos recursos da Secretaria de Extensão para criar uma memória oral dos trabalhadores de Zanón. A proposta do grupo de Franese é demasiado importante para não ser citada. Para os integrantes do projeto interdisciplinar “Escribir nuestra historia - para una escritura colectiva de las memorias de FaSinPat”, é de fundamental importância

partilhar uma reflexão em torno do conceito de extensão universitária que atravessa o nosso projeto.

Em primeiro lugar, concordamos com a definição da função social da universidade, que o estatuto da UNCo estabelece no seu artigo nº 79, a saber:

“A universidade, mediante a extensão universitária, participa do melhoramento da sociedade, através das actividades docentes e de investigação, e estabelecendo as condições para que os futuros formados participem de experiências que os impulsionem a assumir idêntico compromisso nas suas vidas pessoais”.

Esta concepção da fução social da Universidade entende que a prática universitária deve desenvolver-se em contato permanente com o meio sociale especialmente com os meios populares. Frequentemente, esta conexão traduz-se no marco das teorias condutivistas (de estímulo-resposta) como uma mera tranferência de conhecimento da universidade para a sociedade. Assim se dá valor ao conceito de “educação bancária”, segundo Paulo Freire, compreendendo a sociedade como um receptáculo vazio que nós, os universitários, devemos preencher de saberes.

Desta noção de extensão surge, no que diz respeito à Lei de Educação Superior (LES), a crença de que o contacto com o meio social deve ser realizado através das empresas. Isto deve-se a que o discurso neoliberal entende as empresas como o actor mais eficiente e eficaz para conseguir o desenvolvimento regional e nacional. Dentro desta lógica, se as empresas conseguirem um importante lucro económico no país, o país cresce e portanto aumento o bem-estar social. Nesta visão, continuam a observar-se tendências positivistas nas relações causais e deterministas entre as variáveis mencionadas.

Além disso, dentro desta percepção, a extensão universitária é equiparada à venda de serviços a terceiros, o que representa uma nova forma de incorporação de dinheiro nas universidades. Assim sendo, cauciona-se a criação de fundações, sociedades comerciais e cooperativas que, na prática, funcionaram como verdadeiras “caixas pretas” [sacos azuis] das autoridades universitárias. Neste sentido, e com o objectivo de obter ganhos, estas fundações adstritas às universidades e aos conselhos de extensão avaliam e selecionam os projectos com base na rentabilidade.

No entanto, a extensão universitária não é a redução à venda de serviços ou conhecimentos, nem deve limitar-se a um contacto exclusivo com as empresas.

Pelo contrário, de um ponto de vista relacional interativo, a extensão universitária é um “construir com”, um “fazer com o/a outro/a”, estabelecendo um diálogo entre saberes construídos na universidade e os saberes e experiências coletivas das organizações e movimentos sociais.

Por isso, cremos que os projectos de extensão da nossa universidade devem apontar para responder a questões socio-culturais colocadas pelas pessoas, coletivos e instituições (estatais, escolares, comunitárias) da região. Deste modo, os projetos convertem-se em ações coletivas, que se fundam e edificam nos saberes de todos os participantes, que nele se envolvem e por ele são afetados.

Em síntese, partilhamos plenamente da concepção de extensão universitária que desenvolve o projeto de democratização dos estudantes do Comahue: extensão é estender para a sociedade a construção do conhecimento, não o conhecimento em si mesmo. A extensão universitária não é senão uma ferramenta concreta que representa a construção do conhecimento como co-produção do mesmo, que fomenta a construção do tecido social e fomenta a construção coletiva do saber.

- Extensão universitária é “pensar com a FaSinPat” e não “pensar pela FaSinPat”.
- Extensão universitária é dialogar, e não ditar, divulgar ou transferir.
- Extensão universitária é aprender a perguntar, não apenas ter respostas preparadas.
- Extensão universitária é ter conhecimento disponível para a luta contra a dominação e o abuso de poder.
- Extensão universitária é também “aprender a não saber” para dar lugar a que o otro e a outra exprimam o seu saber.
- Extensão universitária é mais expectativa do que magistério.
- Extensão universitária é escuta inteligente e não apenas fala sapiente.
- Extensão universitária é interação, caminho com dois sentidos.
- Extensão universitária é consciência gerada por experiências concretas, que visam desnaturalizar a ordem hegemónica imposta.
- Extensão universitária é imbricar o conhecimento académico com as experiências sociais
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Os professores Chirico, Borgognoni e Supicichi, do curso de Serviço Social, conseguiram verbas da Itália para fazer um levantamento do perfil dos trabalhadores de Zanón. Nas engenharias, a “briga é mais em baixo”, como disseram os alunos, pois gira ao redor de apenas um professor, Aníbal Rodriguez Lupo, e alguns estudantes do centro acadêmico e da disciplina de Qualidade.

Mesmo não sendo o foco da nossa análise, a relação entre os alunos de engenharia e ciências sociais é bastante controversa. Para os engenheiros, há preconceitos de ambos os lados e que estão tentando reatar os laços entre os “surdos” e os “quadrados”.

Veremos na seção seguinte que Rodriguez Lupo e seus alunos deram opinião sobre a forma como poderiam se organizar os trabalhadores, obviamente de uma forma diferente da antiga hierarquia de trabalho. Eles também ajudaram a fazer a manutenção e reparo das máquinas para colocá-las em marcha novamente.

A Engenharia da Universidade de Comahue, o professor Lupo e seus alunos

Alguns estudantes nos disseram que a “faculdade de engenharia é de direita, mas, quando cortam as verbas, todos os setores da Universidade se juntam”. Em Neuquén, a maior parte do emprego é gerado pelas empresas petroleiras e suas subcontratadas. Em grande medida, a oferta de engenheiros atendia a esta demanda.

Rodriguez Lupo é um dos poucos professores que apoiam a luta dos trabalhadores e os alunos de esquerda confiam nele. A título de curiosidade, um trabalhador disse que Lupo é “una mescla rara: peronista nacionalista y católico”. Ele tem um vasto curriculum. Já trabalhou em fábrica de couro, numa mina de ferro, numa empresa de pasta de celulose e na central nuclear de Neuquén. No ano de 1990, houve um concurso para a disciplina de organização industrial.

Além das marchas na rua, a ajuda dos engenheiros se deu principalmente em cinco questões: a) inspeção da fábrica Zanón, b) manutenção das máquinas, c) modificação parcial da organização do trabalho, d) proposta de melhoria da qualidade dos azulejos, e) orientações para melhorar o aproveitamento energético. Abordemos brevemente cada um desses pontos.

Ainda no calor das primeiras lutas pela expropriação de Zanón, os engenheiros foram chamados para fazer as inspeções de gás e averiguaram que esta era uma fábrica “segura, sem riscos de acidentes”.

Disso eles fizeram um manual de segurança, e este episódio não pode deixar de ser narrado. Um aluno estava fazendo um manual de segurança para a fábrica. Depois de algum tempo, os trabalhadores perceberam que ele era “meio de direita” e não o deixaram mais trabalhar e nem tirar fotos da fábrica.

Na disciplina optativa sobre “qualidade”, cerca de 12 alunos estão fazendo trabalhos sobre melhoria de qualidade dos azulejos. Eles vão à fábrica semanalmente para avaliar as possibilidades de melhoria da qualidade dos azulejos [1]. Alguns engenheiros eletrônicos também tiveram um “imenso desafio”, pois os robôs não estavam andando. Três engenheiros eletrônicos se dispuseram a ajudar e resolver o problema.

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Sobre as mudanças na organização do processo de trabalho, o professor e os alunos reconhecem que quando se faz uma proposta técnica, nem sempre tudo é aceito, em função das estruturas de poder na fábrica. Os trabalhadores sempre têm a autonomia para aceitar ou não as propostas feitas por eles. Para Lupo, tem que persuadir, não se pode impor, tem que convencer.

Uma das sugestões foi a de utilizar a figura do coordenador de seção (no lugar do chefe) e fazer debates semanais. Um dos alunos disse que não é verdade que é “totalmente horizontal”. No entanto, comparado a antiga hierarquia e o paternalismo que imperava, há modificações. Para termos uma ideia, cada setor tinha um uniforme com cor diferente. Quando se transitava em algum setor diferente, logo era reprimido. Como dizem os trabalhadores: “era da casa para o trabalho, do trabalho para casa”. Ainda para este estudante, “hoje há demasiada libertinagem, falta de controle e anarquia. Alguns tendem a abusar”.

Os estudantes conhecem muitos colegas de engenharia que trabalharam em Zanón antes das lutas pela expropriação. Dizem que era uma fábrica taylorista clássica (ainda que o processo de trabalho na maior parte seja de fluxo contínuo). Os engenheiros eram “autoritários, rígidos. Incorporavam a figura de mando”.

No ano de 2006, os trabalhadores queriam aumentar a produção e não sabiam o que fazer para atingir tal objetivo. Decidiram então incentivar a produção através de “iscas”: aumento de salário proporcional ao aumento da produção, uma velha fórmula capitalista. Depois, vieram contar para o professor Rodriguez Lupo e ele logo disse: “já sei a resposta: aumentou a produção, mas caiu a qualidade!”.

Desde 2006, a realidade da FaSinPat Zanón está mais dura. Com a crise energética na Argentina, o aumento da concorrência capitalista e a crise no campo, a fábrica passa por um momento de instabilidade econômica.

No ano de 2006, Lupo, junto com o INTI (Instituto Nacional de Tecnologia Industrial – instituição pública criada nos anos 1950 para prestar assessoria técnica às pequenas e médias empresas) e um engenheiro da INVAP (empresa pública que atua na área de tecnologia espacial) estão ajudando a cuidar da questão energética, em função da crise que assola o país. Eles estão estudando e analisando o consumo da fábrica, etc. para melhorar a sua eficiência energética [2].

No início, produziram quase nada. Hoje produzem cerca de 380 mil metros quadrados. O Governo está multando as empresas que têm excesso de consumo. Para piorar, o ano para o cálculo de excesso foi de 2005. Apesar da produção estar em franca ascensão, ainda em 2005 representava uma capacidade da planta muito inferior à metade da capacidade produtiva, o que os prejudicou. Alguns interpretam este fato como uma política indireta do governo para fazer esta nova semente morrer antes que se espalhe. Ao não considerar as especificidades da FaSinPat, elevando o patamar de consumo para outra quantidade que não a atual, o governo está promovendo uma quebra indireta da fábrica.

Mauricio Schneebeli, da INVAP, faz curso de engenharia na UnCo. Além dele, alguns técnicos do INTI regional estão avaliando a fábrica para ver o que pode ser feito. Para tentar driblar a crise energética, os trabalhadores recorreram até mesmo à compra de dois geradores de 90 mil dólares cada. Até o momento, não foram utilizados.

Os azulejos auto-limpantes: os químicos da UBA entram em cena

Para falar da relação entre a FaSinPat Zanón e os químicos da Universidade de Buenos Aires, teremos que relatar brevemente o papel de Pablo Levin, um economista da UBA, e fazer um retrospecto da FCEyN (Faculdade de Ciências Exatas e Naturais) nos anos 1960. Acreditamos que há um anseio de se retomar as lutas universitárias e operárias dos anos 1960, renascer das cinzas, mesmo que isso não apareça explicitamente no discurso dos entrevistados.

Pablo Levin, professor de economia (UBA) que chegou a ajudar os trabalhadores de Zanón por seis meses, fez alguns seminários sobre a situação da Argentina e, nestas palestras, tentava convencer os pesquisadores a colaborarem com a causa das fábricas recuperadas. Numa dessas palestras, vieram 2 trabalhadores de Zanón falar sobre a situação da fábrica e a ajuda de que necessitavam da Universidade. Foi aí que Sara Bilmes e Raul Carrota (matemático que estuda a questão tecnológica na Argentina, marido de Sara) viram a possibilidade de pesquisar os azulejos auto-limpantes. Em 2006, o projeto dos azulejos auto-limpantes concorreu ao programa “exactas con la sociedad” e venceu.

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Sara Bilmes acredita que faz uns 20 anos que a faculdade de ciências tem um governo de esquerda, “peronista-progressista”. Nesta faculdade, diz ela, “não se faz nada para proveito próprio”. Posteriormente entrevistamos Alicia Massarini, uma egressa da FCEyN que hoje é professora do Mestrado em Política e Gestão da Ciência e Tecnologia (UBA). Ela parte de uma opinião diferente, pois acredita que o decano da FCEN é “cientificista”, está em vigência a figura do “publicar, publicar” e a extensão é marginal, tanto em termos de pontos no curriculum quanto em termos de financiamento. Massarini também disse que por demanda dos alunos de graduação e os auxiliares de professores, eles tiveram um curso crítico sobre Ciência, Tecnologia e Sociedade, inclusive resgatando o debate dos anos 1960. Cerca de 200 alunos fizeram este curso.

Perguntei se era distinto trabalhar com uma empresa convencional e uma fábrica recuperada. Eles também disseram que esse projeto não é prioridade para Zanón, pois “a prioridade é fazer a fábrica andar com o que há”.

Só se aprende na escola? O recado dos trabalhadores de Zanón

João Bernardo já observou que a participação em órgãos livremente eleitos, com rodízio de funções e revogabilidade dos cargos, tem uma função pedagógica para os trabalhadores. Se é verdade que a luta educa, no caso de Zanón a luta contra o Estado, contra os patrões e contra a burocracia sindical nos traz inúmeros elementos do trabalho autogestionário como princípio educativo: o rodízio nos postos estratégicos, o papel das assembleias, a quebra da separação entre concepção e execução, o questionamento do sistema salarial, a necessidade de desmercantilização e expansão das lutas para além dos muros desta fábrica, etc. Evidentemente que esta experiência não está isenta de contradições e de limites impostos pelos problemas concretos da classe trabalhadora.

Podemos dizer que muitos educadores e trabalhadores que vão “visitar” Zanón, em alguma medida, vivenciam a pedagogia desta luta, não só ao ouvirem os relatos de como ela foi, mas também ao observar o surgimento – ainda embrionário - de novas relações de produção. Outros são “contaminados” pela expansão política da experiência, na medida em que os trabalhadores de Zanón estão juntando os trabalhadores “classistas”. Disso podemos depreender que a FaSinPat Zanón também educa para o novo: educa para a luta, educa pela e para a autogestão, educa para a necessidade de unificação dos movimentos sociais, etc.

Nunca é demais lembrar que Pistrak e o grupo de educadores russos praticaram e pensaram nestas questões para a Rússia revolucionária. As “escolas-comuna” tinham a auto-organização dos alunos e o trabalho não alienado como princípios fundantes, inserindo os alunos nas lutas concretas dos trabalhadores, combinando muito bem a necessidade de compreender a história do ponto de vista materialista, o presente e o novo – a necessidade de construção de uma sociedade para além do capital. Cabe reconhecer que este projeto pedagógico foi posto em prática na URSS entre 1917 e 1931, mas foi sufocado pelo avanço do stalinismo, uma aberração anti-marxista.

Segundo Luiz Freitas, pesquisador que fez a apresentação do livro de Pistrak A escola-comuna (Editora Expressão Popular, 2009), os primeiros pedagogos soviéticos, pós Revolução de 1917, foram calados ou assassinados na década de terror estalinista – os anos 1930. Esta geração teve seu trabalho brutalmente interrompido. Toda uma geração ilustre e criativa de pedagogos altamente comprometidos com a causa dos trabalhadores: Blonskiy, Krupskaya, Lunacharskiy, Pokrovskiy, Pistrak, Pinkevich, Shulgin, Krupenina, entre outros, foi suprimida pela força (Freitas, 2009, p. 81-82). Para citar apenas o caso Pistrak, Freitas observou que este foi fuzilado após 3 meses de prisão.

Nunca é demais lembrar que todos esses temas “educacionais” aparecem com bastante precisão, ainda que de forma embrionária, nas lutas dos communards de 1871, no início da Revolução de 1917, no Cordobazo de 1969 (Argentina) e em outros momentos históricos que questionaram a sociedade de classes e as bases da exploração dos trabalhadores.

Acredito que as escolas num sentido amplo: a) separam as classes sociais – colocando trabalhadores ao lado de trabalhadores e elite ao lado de elite; b) imprimem a ideologia da “ascensão social através do próprio esforço”, da qualidade total, do conformismo ou da obediência civil; c) preparam – junto com uma rede de agências formativas que envolve a mídia, os partidos conservadores, as propagandas, etc. - os jovens consumidores para uma vida alienada. Segundo István Mészáros: “Além da reprodução, numa escala ampliada, das múltiplas habilidades sem as quais a atividade produtiva não poderia ser realizada, o complexo sistema educacional da sociedade é também responsável pela produção e reprodução da estrutura de valores.”

Por outro lado, a escola Zanón vem ensinando seus trabalhadores a se auto-organizar e lutar por uma sociedade para além do capital, a superar as classes sociais e as bases da exploração, mostrando para os futuros trabalhadores - alunos das escolas públicas neuquinas - o anticonformismo e a necessidade da desobediência civil, negando na prática a máxima neoliberal de que “não há alternativa”.

Notas

[*] Autor da tese: “A relação Universidade-Movimentos sociais na América Latina: habitação popular, agroecologia e fábricas recuperadas” (DPCT, Unicamp, 2010). Pode ser obtida em: http://libdigi.unicamp.br/document/?code=000477937
hetanov@yahoo.com.br
[1] Sobre os alunos de hoje em dia, o professor Lupo reclama que “em 1975, todos perguntavam, em 1990, todos calados”. Ninguém pergunta, temos uma apatia geral. Também afirma que houve uma redução drástica do conteúdo dado e que todos estão bem “disciplinados”.
[2] Para maiores detalhes sobre o INTI, ver http://www.inti.gov.ar e Novaes, Serafim e Dagnino (2009).

A segunda foto inserida neste texto é do fotógrafo Martin Barzilai (www.martin-barzilai.com).

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