terça-feira, 1 de fevereiro de 2011

Tunísia: a queda do pequeno ditador amigo do Ocidente

Passa Palavra

As mudanças efectivas são fruto da vontade e do sacrifício do povo, e não impostas por ingerências estrangeiras ou por invasões. Por Esam al-Amin

Quando o povo opta pela vida (em liberdade)
O destino irá responder e passar à acção
A escuridão irá desaparecendo a passos seguros
E por certo serão quebradas as cadeias.
(do poeta tunisino Abul Qasim Al-Shabbi, 1909-1934)

Na noite de fim de ano de 1977, o ex-presidente Jimmy Carter estava a brindar com o Xá Reza Pahlevi em Teerão, chamando àquela monarquia pró-ocidental “uma ilha de estabilidade” no Médio-Oriente. Mas nos 13 meses que se seguirão o Irão teve tudo menos estabilidade. Todos os dias o povo iraniano protestava contra a brutalidade do seu ditador, em massivas manifestações de uma ponta à outra do país.

A princípio, o Xá descreveu os protestos populares como parte de uma conspiração de comunistas e extremistas islâmicos, e reprimiu-os com mão de ferro com o uso brutal da força do seu aparelho de segurança e da sua polícia política. Quando viu que isso não resultou, o Xá teve de fazer algumas concessões às exigências populares, demitindo alguns dos seus generais e prometendo esmagar a corrupção e conceder mais liberdade, antes de acabar por sucumbir à mais importante exigência da revolução, fugindo do país em 16 de Janeiro de 1979.

Mas, alguns dias antes de se ir embora, instalou no poder um primeiro-ministro fantoche na esperança de que este conseguisse sufocar os protestos e facilitar-lhe o regresso. Saltando de país em país, verificou que era indesejável em muitas partes do mundo. Os países ocidentais que haviam elogiado o seu regime durante décadas, agora abandonavam-no todos perante a revolução popular.

32 anos depois, a Tunísia

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Aquilo que levou cinquenta e quatro semanas a conseguir no Irão foi conseguido na Tunísia em menos de quatro. O regime do presidente Zein-al-Abidin Ben Ali representava aos olhos do seu povo não apenas as características de uma ditadura sufocante, mas também as de uma sociedade mafiosa trespassada de corrupção generalizada e de ataques aos direitos humanos.

Em 17 de Dezembro, Mohammed Bouazizi, um bacharel desempregado de 26 anos da cidade de Sidi Bouzid, imolou-se pelo fogo numa tentativa de suicídio. Pouco antes, nesse dia, agentes da polícia tinham apreendido a sua mesa de venda ambulante e confiscado as frutas e legumes que vendia porque ele não tinha uma licença para isso. Quando tentou queixar-se às autoridades, dizendo que era desempregado e que esse era o seu único meio de sobrevivência, foi enxovalhado, insultado e agredido pela polícia. Morreu 19 dias mais tarde, já em pleno levantamento popular.

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O acto desesperado de Bouazizi fez explodir ao rubro a frustração geral quanto aos níveis de vida, à corrupção e à falta de liberdade política e de direitos humanos. Nas quatro semanas seguintes, a sua imolação desencadeou manifestações onde os manifestantes queimaram pneus e gritaram palavras de ordem exigindo empregos e liberdade. Depressa os protestos se espalharam a todo o país incluindo a capital, Túnis.

A primeira reacção do regime foi endurecer a sua atitude e usar a força brutal incluindo espancamentos, gás lacrimogénio e balas reais. Quanto mais violenta se tornou a repressão policial, mais as pessoas foram ficando furiosas e mais foram para as ruas. Em 28 de Dezembro o presidente fez um primeiro discurso dizendo que os protestos eram organizados por “uma minoria de extremistas e terroristas” e que a lei seria aplicada “com toda a firmeza” para punir os protestatários.

No entanto, no começo do novo ano, dezenas de milhares de pessoas, a que se juntaram sindicatos, estudantes, advogados, associações profissionais e outros grupos da oposição, manifestavam-se em dezenas de cidades. No fim da semana os sindicatos apelaram à greve do comércio em todo o país, ao mesmo tempo que 8.000 advogados entraram em greve, paralisando de imediato todo o sistema judicial.

Entretanto, o regime começou a atacar bloguistas, jornalistas, artistas e activistas políticos. Proibiu todo o tipo de discordância, mesmo nas redes sociais. Mas, após quase 80 mortos pelas forças de segurança, o regime começou a recuar.

Em 13 de Janeiro, Ben Ali fez a sua terceira intervenção televisiva, demitindo o ministro do Interior e anunciando concessões sem precedentes, ao mesmo tempo que prometia não se recandidatar nas eleições de 2014. Também prometeu introduzir mais liberdades na sociedade e investigar as mortes de manifestantes. Como esta manobra só acirrou ainda mais os protestos, então ele fez uma alocução ainda mais desesperada, prometendo novas eleições gerais no prazo de seis meses na esperança de parar os protestos massivos.

Como este truque também não resultou, impôs o estado de emergência, demitindo todo o governo e ameaçando fazer sair o exército com ordens para matar. Todavia, como o general do exército Rachid Ben Ammar se recusou a ordenar às suas tropas que disparassem contra os manifestantes nas ruas, Ben Ali não teve outra alternativa senão fugir do país e da cólera do seu povo.

Em 14 de Janeiro, ele e os seus colaboradores mais próximos fugiram em quatro helicópteros para a ilha mediterrânica de Malta. Como Malta se recusou a recebê-los, apanharam um avião para França. Ainda no ar, os franceses fizeram saber que não lhes permitiriam a entrada. Então o avião voltou para trás, para a região do Golfo, até que finalmente foi autorizado a aterrar e bem recebido na Arábia Saudita. O regime saudita tem uma longa história de anfitrionagem de déspotas, incluindo Idi Amin do Uganda e Parvez Musharraf do Paquistão.

Mas, poucos dias antes de o presidente deposto ter deixado Túnis, a sua mulher Leila Trabelsi, ex-cabeleireira conhecida pela sua compulsão das compras, deitara mão a uma tonelada e meia de ouro do banco central e partira para o Dubai com os filhos. A primeira dama e a família Trabelsi são desprezadas pelo público devido ao seu estilo de vida corrupto e aos escândalos financeiros.

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As elites políticas sossobraram no caos, o aparelho de segurança do presidente começou uma campanha de violência e destruição de bens numa derradeira tentativa para semear a discórdia e a confusão. Mas o exército, apoiado por comités populares, tratou rapidamente de os prender e de parar a onda de destruição, impondo o recolher obrigatório em todo o país.

Uma mão cheia de altos funcionários da segurança, como o chefe da segurança presidencial e o ex-ministro do Interior, assim como alguns oligarcas, entre os quais parentes de Ben Ali e membros da família Trabelsi, foram mortos pelas multidões ou presos pelo exército quando tentavam fugir do país.

Entretanto, depois de inicialmente se ter autodeclarado presidente provisório, o primeiro-ministro teve de recuar nessa decisão em menos de um dia para convencer o povo de que Ben Ali fora embora para sempre. No dia seguinte, o presidente do parlamento prestou juramento como presidente, prometendo um governo de unidade nacional e eleições no prazo de 60 dias.

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A maior parte dos países ocidentais, incluindo os EUA e a França, demoraram a reconhecer esta precipitação de acontecimentos. O presidente Barack Obama não disse uma palavra quando os factos estavam a ocorrer. Mas após a deposição de Ben Ali declarou: “os EUA juntam-se a toda a comunidade internacional para testemunhar este combate corajoso e determinado pelos direitos universais que todos temos obrigação de apoiar”. E continuou: “Recordaremos sempre as imagens do povo tunisino procurando fazer ouvir a sua voz. Aplaudo a coragem e a dignidade do povo tunisino”.

Do mesmo modo, o presidente francês Nicolas Sarkozy, não só abandonou o seu aliado tunisino recusando recebê-lo quando o seu avião se encontrava no ar, como deu ordem aos parentes de Ben Ali residentes em apartamentos de luxo em Paris para abandonarem o país.

No dia seguinte o governo francês anunciou que iria congelar todas as contas [bancárias] pertencentes ao presidente deposto, e aos seus parentes directos e por afinidade, assim reconhecendo directamente que o governo francês já estava ao corrente de que esses recursos eram produto de corrupção e de fundos desviados.

A natureza do regime de Ben Ali: corrupção, repressão e apoio ocidental

Um relatório recentemente publicado pela Global Financial Integrity (GFI), intitulado “Fluxos financeiros ilícitos dos países em desenvolvimento: 2002-2009”, calcula que a Tunísia estava a perder milhares de milhões de dólares com actividades financeiras ilícitas e corrupção oficial do governo, num orçamento de Estado inferior a 10 mil milhões de dólares e um Produto Interno Bruto inferior a 40 mil milhões por ano.

O economista e co-autor do estudo, Karly Curcio, sublinha: “A instabilidade política é perpetuada, em parte, pela actividade corrupta e criminosa no país. O GFI calcula que o quantitativo de dinheiro ilegal perdido pela Tunísia devido à corrupção, às luvas, aos subornos, aos preços falsos em negócios e outras actividades criminosas foi em média, entre 2002 e 2008, de cerca de mil milhões de dólares por ano, exactamente 1,16 milhões por ano”.

Um estudo da Amnistia Internacional de 2008, com o título: “Em nome da segurança: práticas irregulares rotineiras na Tunísia”, relata que “estão a ser cometidas graves violações dos direitos humanos relacionadas com as polícias de segurança e de contraterrorismo do governo”. Os Repórteres Sem Fronteiras também publicaram um relatório onde se diz que o regime de Ben Ali era “obsessivo no seu controlo das notícias e da informação. Os jornalistas e os activistas dos direitos humanos são alvo de assédio burocrático, de violência policial e de constante vigilância por parte dos serviços secretos”.

O ex-embaixador dos EUA em Túnis, Robert Godec, admitiu o mesmo. Em telegrama aos seus chefes, datado de 17 de Julho de 2009, recentemente tornado público pelo WikiLeaks, declara acerca das elites políticas: “Elas confiam na polícia para o controlo e a focagem na preservação do poder. E a corrupção no círculo mais restrito está a crescer. Mesmo o tunisino médio tem perfeito conhecimento disso, e o coro de protestos aumenta”.

Até o Congresso dos EUA, quando no ano passado aprovou milhões de dólares de ajuda militar à Tunísia, falava de “restrições à liberdade política, prática de torturas, prisão de dissidentes e perseguições a jornalistas e defensores dos direitos humanos”.

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Não obstante, desde que tomou o poder em 1987, Ben Ali contou com o apoio do Ocidente para manter o seu domínio sobre o país. Claro que o general Ben Ali era um produto da Academia Militar Francesa e da Escola do Exército dos EUA em Fort Bliss, Texas. E completou a sua formação em informações e segurança militar em Fort Holabird, Maryland.

Tendo passado a maior parte da sua carreira militar como oficial de informações e de segurança, desenvolveu, ao longo dos anos, estreitas relações com os serviços de informações ocidentais, especialmente a CIA, assim como os serviços de informações da França e de outros países da OTAN.

Baseando-se numa fonte dos serviços de informação europeus, o canal Al-Jazira relatou recentemente que, quando Ben Ali foi embaixador do seu país na Polónia entre 1980 e 1984 (estranho posto para um oficial de informações militares), ele estava realmente ao serviço dos interesses da OTAN actuando como contacto principal entre os serviços da CIA e das informações da OTAN e a oposição polaca, com o intuito de minar o regime pró-soviético.

Em 1999, Fulvio Martini, ex-director dos serviços secretos militares italianos (SISMI) declarou a uma comissão parlamentar que “em 1985-1987, nós (na OTAN) organizámos uma espécie de golpe (isto é, um golpe de Estado) na Tunísia, colocanto o presidente Ben Ali como chefe do Estado, no lugar de Burguiba”, referindo-se ao primeiro presidente da Tunísia.

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Durante a sua audição de confirmação [no parlamento] como embaixador dos EUA na Tunísia, em Julho de 2009, Gordon Gray reiterou o apoio do ocidente ao regime perante a Comissão de Relações Externas do Senado: “Temos uma longa e estável relação militar com o governo e com os militares. É muito positiva. O equipamento militar dos tunisinos é de origem estadunidense, por isso temos lá um programa de assistência duradouro”.

A importância estratégica da Tunísia para os EUA é também confirmada pelo facto de a sua acção política ser determinada mais pelo Conselho Nacional de Segurança do que pelo Departamento de Estado [Ministério dos Negócios Estrangeiros]. Mais: desde que Ben Ali se tornou presidente, os EUA entregaram ao seu regime 350 milhões de dólares em equipamento militar.

Não há muito tempo, no ano passado, a administração de Obama pediu ao Congresso para aprovar uma venda de 282 milhões de dólares de equipamentos militares para ajudar os serviços de segurança a manterem o controlo sobre a população. Na sua carta ao Congresso, o presidente dizia: “A venda proposta contribuirá para a política externa e para a segurança nacional dos Estados Unidos, ajudando a incrementar a segurança de um país amigo”.

Durante o governo de Bush, os EUA definiram as suas relações com os outros países, não na base da sua grandiosa retórica acerca da liberdade e da democracia, mas sim no modo como cada país abraçava a sua campanha contra-terrorista e a sua acção pró-Israel na região. A Tunísia teve alta classificação em ambos os planos.

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Por exemplo, um telegrama WikiLeaks com origem em Túnis, datado de 28 de Fevereiro de 2008, relatava um encontro entre o subsecretário dos Negócios Estrangeiros David Welch e Ben Ali no qual o presidente tunisino ofereceu a cooperação “sem reservas” dos seus serviços secretos, incluindo o acesso do FBI a “detidos tunisinos” nas prisões tunisinas.

Na sua primeira viagem pela região, em Abril de 2009, o enviado especial para o Médio-Oriente do presidente Obama, George Mitchell, parou em primeiro lugar na Tunísia e declarou que as suas conversações com os representantes locais “foram excelentes”. Elogiou os “fortes laços” entre os dois governos, assim como o apoio da Tunísia às diligências dos EUA no Médio-Oriente. E sublinhou a “alta consideração” do presidente Obama por Ben Ali.

Ao longo do seu reinado de 23 anos, centenas de activistas dos direitos humanos e de críticos, tais como os líderes da oposição Sihem Ben Sedrine e Moncef Marzouki, foram presos, detidos e por vezes torturados depois de se terem pronunciado publicamente contra as violações dos direitos humanos e contra a corrupção massiva sancionada pelo regime. Por outro lado, milhares de membros do movimento islamista foram presos, torturados e julgados em julgamentos falsos.

No seu relatório de Agosto de 2009, intitulado “Tunísia: Violações constantes em nome da segurança”, a Amnistia Internacional diz: “As autoridades tunisinas continuam a praticar prisões e detenções arbitrárias, a permitir as torturas e a servir-se de julgamentos injustos, tudo em nome da luta contra o terrorismo. Essa é a dura realidade que está por trás da retórica oficial”.

Os governos ocidentais estavam perfeitamente ao corrente da natureza deste regime. Mas decidiram não reparar na corrupção e na repressão para defenderem os seus interesses de curto prazo. O próprio relatório sobre direitos humanos do Departamento de Estado, de 2008, pormenorizava muitos casos de “tortura e outros maus tratos cruéis, desumanos ou degradantes” incluindo violações de mulheres presas políticas do regime. Sem comentar nem condenar, o relatório conclui friamente: “A polícia atacou activistas dos direitos humanos e da oposição ao longo de todo o ano”.

O que virá a seguir?

“Caíu o ditador, mas não a ditadura”, declarou Rachid Ghannouchi, o líder islamista do partido de oposição al-Nahdha [Renascimento], que se encontra exilado no Reino Unido há 22 anos. Durante o reinado de Ben Ali, a sua organização foi proibida e milhares dos seus membros foram torturados, ou presos ou exilados. Ele próprio foi julgado e condenado à morte à revelia. Anunciou o seu regresso em breve ao país.

Esta afirmação do líder do al-Nahdha reflectiu o sentimento popular de desconfiança tanto em relação ao novo presidente, Fouad Al-Mubazaa’, e ao primeiro-ministro Mohammad Ghannouchi, que foram membros do partido de Ben Ali, o Partido Constitucional Democrático. E por isso a sua credibilidade é muito suspeita. Durante cerca de dez anos, eles contribuíram para a implementação das orientações políticas do ditador deposto.

No entanto o primeiro-ministro prometeu, no próprio dia em que Ben Ali fugiu do país, um governo de unidade nacional. Em poucos dias anunciou um governo onde se mantinha a maior parte dos ministros do governo anterior (incluindo as decisivas pastas da Defesa, dos Estrangeiros, do Interior e das Finanças), enquanto incluía três ministros da oposição e alguns independentes próximos dos sindicatos e das associações de advogados. Muitos outros partidos da oposição ou foram ignorados ou se recusaram a colaborar em protesto contra o passado do partido dominante.

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Em menos de vinte e quatro horas, tiveram lugar enormes manifestações por todo o país, em 18 de Janeiro, protestando contra a inclusão do partido dominante. De imediato os quatro ministros representantes dos sindicatos e de um partido de oposição demitiram-se do novo governo até à formação de um verdadeiro governo de unidade nacional. Outro partido da oposição suspendeu a sua participação até que os ministros do partido dominante fossem demitidos ou se demitissem dos seus cargos.

Nas horas seguintes o presidente e o primeiro-ministro demitiram-se do partido dominante e autodeclararam-se como independentes. Mesmo assim a maior parte dos partidos da oposição está a exigir o seu afastamento e a sua substituição por líderes nacionais respeitáveis que sejam realmente “independentes” e que tenham as “mãos limpas”. Perguntam como é que o mesmo ministro do Interior que organizou as eleições de Ben Ali há menos de 15 meses poderia agora supervisionar eleições livres e justas.

Não é claro se o novo governo poderá sequer sobreviver à cólera das ruas. Mas o seu anúncio mais significativo foi talvez a amnistia geral e a promessa de libertação de todos os presos políticos no país e no exílio. Além disso criou três comissões nacionais.

A primeira comissão é encabeçada por um dos mais respeitados constitucionalistas, o Prof. ‘Ayyadh Ben Ashour, para tratar das reformas política e constitucional. As outras duas são presididas por defensores dos direitos humanos; uma para investigar a corrupção no Estado, a outra para investigar os assassinatos de manifestantes durante o levantamento popular. As três comissões foram instituídas em resposta às principais exigências dos manifestantes e dos partidos da oposição.

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O 14 de Janeiro de 2011 tornou-se, sem dúvida, um marco na história moderna do mundo árabe. Já uma dezena de candidatos a mártires tentaram suicidar-se imolando-se pelo fogo em protesto público contra a repressão política e a corrupção económica, no Egipto, na Argélia e na Mauritânia. Os movimentos oposicionistas já começaram a liderar protestos que elogiam o levantamento tunisino e denunciando as políticas repressivas e corruptas dos seus governos em muitos países árabes, como o Egipto, a Jordânia, a Argélia, a Líbia, o Iémene e o Sudão.

O veredicto acerca do real sucesso da revolução tunisina ainda está por fazer. Irá ela abortar, seja por lutas internas seja pela introdução de mudanças ilusórias para absorver a cólera do povo? Ou haverá mudanças reais e duradouras, enquadradas por uma nova constituição baseada nos princípios democráticos, na liberdade política, nas liberdades de imprensa e de reunião, na independência da justiça, no respeito dos direitos humanos e no fim das ingerências estrangeiras?

À medida que, nos próximos meses, forem aparecendo as respostas a estas perguntas, tornar-se-á mais clara a questão de saber se haverá um efeito de dominó no resto do mundo árabe.

Mas é possível que a lição mais importante para os políticos ocidentais seja a seguinte: as mudanças efectivas são fruto da vontade e do sacrifício do povo, e não impostas por ingerências estrangeiras ou por invasões.

A queda do ditador iraquiano custou aos EUA cerca de 4.500 soldados mortos, 32.000 feridos, o bilião de dólares [um milhão de milhões], o afundamento da economia, pelo menos 150.000 mortos iraquianos e meio milhão de feridos, e a devastação do país, e a inimizade de milhares de milhões de muçulmanos e de outros povos pelo mundo fora.

Entretanto, o povo da Tunísia derrubou outro brutal ditador com menos de 100 mortos que serão sempre lembrados e honrados pelos seus compatriotas como heróis que pagaram o preço supremo pela liberdade.

Texto original (em inglês) publicado em Pambazuka News. Tradução do Passa Palavra.