sexta-feira, 8 de outubro de 2010

Equador: Nota de Atilio Boron sobre o frustrado golpe de estado

Atilio Boron

ALAI AMLATINA, 01/10/2010.

1. O que aconteceu ontem no Equador?

Houve uma tentativa de golpe. Não foi, como disse vários meios de comunicação na América Latina, uma "crise institucional", um conflito entre os poderes Executivo e Legislativo, mas uma insurreição aberta ao primeiro , da Polícia Nacional, cujos números estão um pequeno exército de 40.000 homens, contra o Comandante em Chefe das Forças Armadas do Equador, que é ninguém menos que o presidente legitimamente eleito. Também não foi o que disse Arturo Valenzuela, Subsecretário de Estado para Assuntos Interamericanos, "um ato de indisciplina policial”. Seria assim caracterizado, o que fez a Polícia Nacional do Equador, se o equivalente acontecesse nos EUA, se espancassem e agredissem fisicamente Barack Obama, ferindo; o seqüestrando e o mantendo em custódia por 12 horas em um hospital da polícia até que um comando especial do Exército o libertasse, depois de um intenso tiroteio? Provavelmente não, mas como ele é um presidente latino-americano, o que soa como aberração intolerável, aqui aparece como uma brincadeira de escola.

Em geral, toda a mídia oligopolizada deu uma versão distorcida do que aconteceu ontem, cuidadosamente, evitando falar de uma tentativa de golpe. Em vez disso, se referiram a um "levante policial", que, obviamente, faz com que os acontecimentos de quinta-feira em uma história relativamente de menor importância. É um velho truque da direita, sempre interessada na desvalorização dos ultrajes cometidos pelos seus adeptos e para ampliar os erros ou problemas de seus oponentes. Então, é bom recordar as palavras pronunciadas nesta sexta-feira, de manhã, pelo presidente Rafael Correa, ao caracterizar o incidente como uma "'conspiração' para cometer um golpe de Estado". Conspiração, pois, como foi mais do que evidente no dia de ontem, havia outros atores que manifestaram o seu apoio ao golpe de Estado: por acaso não foram os efetivos da Força Aérea Equatoriana, e não da Polícia Nacional, que paralisaram o Aeroporto Internacional deQuito e o pequeno aeroporto utilizado para vôos provinciais? E nenhum grupo político chegou a apoiar o golpe nas ruas e praças? Não era o próprio advogado do ex-presidente Lucio Gutiérrez, um dos fanáticos que tentaram entrar à força nas instalações da Televisão Nacional do Equador? Não foi dito, por acaso, pelo prefeito de Guayaquil, e grande rival do presidente Correa, Jaime Nebot, que se tratava de um conflito de poder entre uma presonagem de caráter autoritário e despótico, Correa, e um sector da polícia, errado em sua metodologia, mas com razão em suas reivindicações? Esta falsa distância entre as partes no conflito foi uma confissão indireta de sua complacência sobre eventos atuais e seu profundo desejo de se livrar de seu, pelo menos até agora, invencível inimigo político. Para não falar da lamentável posição do movimento "indígena" Pachakutik, que no meio da crise tornou pública uma convocatória aos "movimentos indígenas, movimentos sociais, organização democráticas, para formar uma frente única nacional para exigir a demissão do presidente Correa. " A vida lhe dá surpresas ", disse Pedro Navaja, mas nenhuma surpresa quando se observa as generosas contribuições da USAID e do National Endowment for Democracy tem feito nos últimos anos para" empoderar "a cidadania equatoriana através de seus partidos e movimentos sociais.

2. Por que falhou o golpe de Estado?

Basicamente por três razões: primeiro, pela rápida e eficaz mobilização de grandes sectores da população equatoriana, que apesar do perigo que existia, passou a ocupar ruas e praças para mostrar seu apoio ao presidente Correa. Ocorreu o que sempre deve ocorrer em casos como estes: a defesa da ordem constitucional se efitiva quando realizada diretamente pelo povo, agindo como um protagonista e não como um mero espectador das lutas políticas de seu tempo. Sem a presença do povo nas ruas e praças, que Maquiavel havia advertido 500 anos atrás, não há república que resista à investida dos protetores da velha ordem. O quadro institucional é insuficiente para garantir a estabilidade da democracia. As forças de direita são muito poderosas e dominam este quadro há séculos. Somente a presença ativa, militante, do povo nas ruas pode impedir um golpe.

Em segundo lugar, o golpe pode ser interrompido porque a mobilização popular que se desenvolveu muito rapidamente no Equador foi acompanhada por uma rápida e contundente solidariedade internacional, que começou a se efetivar antes de saírem as primeiras notícias sobre o golpe e que, entre outras coisas, precipitou uma oportuna convocação de uma reunião urgente e extraordinária da Unasul, em Buenos Aires. O claro apoio obtido por Correa dos vários governos da América do Sul e de vários europeus surtiu efeito porque pôs em evidência que o futuro dos golpistas se tivessem obtido sucesso, seria condenado ao ostracismo e ao isolamento internacional político e econômico. Provou mais uma vez que a Unasul funciona e é eficaz, ea crise se resolveu, como antes na Bolívia, em 2008, sem a intervenção de interesses externos na América do Sul.

Em terceiro, mas não menos importante, pela coragem demonstrada pelo presidente Correa, que não deu o braço a torcer e resistiu firme ao assédio e a detenção de que foi vítima, embora fosse óbvio que sua vida corria perigo, no último momento, quando ele deixava o hospital, seu carro foi alvejado com claras intenções de acabar com sua vida. Correa demonstrou a coragem necessária para empreender com perspectivas de sucesso grandes desafios políticos. Se ele tivesse vacilado, se tivesse intimidado ou deixado se submeter aos planos de seus raptores teria sido outro o resultado. A combinação desses três fatores: a mobilização popular interna, a solidariedade internacional ea coragem do presidente acabou por produzir o isolamento dos rebeldes, enfraquecendo a sua resistência e facilitar a operação de resgate realizada pelo Exército do Equador.

3. Pode acontecer novamente?

Sim, porque os fundamentos do golpismo têm raízes profundas nas sociedades latino-americanas e na política externa dos Estados Unidos para essa parte do mundo. Se analisarmos a história recente dos nossos países verifica se tentativas de golpes aconteceram na Venezuela (2002), a Bolívia (2008), Honduras (2009) e Equador (2010), ou seja, em quatro países caracterizados por estarem em processos significativos de transformação económica e social e também por estarem integrados na ALBA. Nenhum governo de direita foi perturbado por golpe de Estado, cujo a simbologia da política oligárquica e imperialista está oculta. Assim, o campeão mundial da violação dos direitos humanos, Alvaro Uribe, com seus milhares de pessoas desaparecidas, as suas fossas coletivas, os seus "falsos positivos" - nunca teve que se preocupar com insurreições militares durante os oito anos de seu mandato. E é pouco provável que outros governos de direita da região sejam vítimas de uma tentativa de golpe de Estado nos próximos anos. Das quatro tentativas de golpe que aconteceram desde 2002, três fracassaram e apenas uma, em Honduras contra Manuel Zelaya foi coroada com êxito. Deste fato, é importante ressaltar o seu desempenho surpreendente, no meio da noite, impedindo que a notícia fosse conhecida já na manhã seguinte e povo tivesse tempo para sair e ganhar as ruas e praças. Quando o fez já era tarde demais, porque Zelaya tinha sido exilado. Além disso, neste caso, a resposta internacional foi lenta e morna, sem a necessária rapidez e força demonstrada no caso do Equador. Lição a ser aprendida: a velocidade da reação democrática e popular é essencial para desativar a seqüência de ações e processos golpistas, que a partir de um entrelaçamento de simples iniciativas, com a ausência de obstáculos, se reforçam e alcançam seu objetivo. Sea resposta popular não surge de imediato, o processo se retroalimenta, e quando se quer para-lo, é tarde demais. O mesmo se aplica à solidariedade internacional, que para ser efetiva tem queser imediata e intransigente na defesa da ordem política prevalecente. Felizmente essas condições aconteceram no caso do Equador, e por isso a tentativa golpista fracassou. Mas não deve haver ilusões: a oligarquia eo imperialismo tentarão novamente, talvez por outros meios, derrubar os governos que não se curvam aos seus interesses.

- Dr. Atilio A. Boron, diretor do Programa Latinoamericano de Educación a Distancia en Ciencias Sociales (PLED), Buenos Aires, Argentina www.centrocultural.coop/pled - http://www.atilioboron.com