terça-feira, 31 de agosto de 2010

Redução do tamanho da propriedade da terra é política de emprego, moradia, educação, reforma agrária e contra a violência

Em uma visita a um Assentamento de Reforma Agrária na cidade de Bebedouro-SP, em 2002, naquele momento recém constituído, tive a possibilidade de ter uma prosa muito agradável e de intenso aprendizado com a Dona Genoveva* , avó sem terra de 67 anos de idade, migrante da periferia da cidade de Sumaré-SP.

Fazia um ano que ela entrava na vida de pré-assentada e assentada, que aos poucos via os seus sonhos saírem do discurso e do papel. Literalmente, ela vivia na transição metamórfica da casa de lona preta para casa de alvenaria. Com o crédito, a construção da moradia de alvenaria saía aos poucos do projeto. Naquele momento, ela e os seus 16 outros familiares já faziam uso de parte da casa construída, já dormiam e descansavam, mas também ainda precisavam da casa de lona, onde outros lá dormiam e ela cozinhava e preparava o alimento de sua família. Como uma lagarta para virar borboleta, num processo avançado de metamorfose, mas ainda dentro de seu casulo, vivia dona Genoveva, saindo aos poucos da lona para o concreto do seu futuro lar.

Para ela e sua família, a vida na lona preta durou antes outros longos cinco anos. Igual a muitos sem terras, Genoveva teve que passar pela difícil migração comum a quem enfrenta a luta da Reforma Agrária. Seu êxodo passou por Andradina, Iaras, Ribeirão Preto e, finalmente, Bebedouro. Esta travessia é carregada pelas marcas duras de cada desocupação, de cada enfrentamento com os agentes do Estado, com cada preconceito e falta dos itens básicos para sobrevivência.

Mas perguntado a ela, se esta caminhada teria valido a pena, ela não deixa de ressaltar que foi duro todo o processo, no entanto, esta história não consegue se pior do que seria se tivessem eles continuado a vida na periferia de Sumaré. Genoveva não tinha condição de dar aos filhos e netos melhores oportunidades do que as apresentadas pelo trafico de drogas. Desempregada e desamparada pelo Estado, via que o futuro de seus netos, no curto prazo, era serem atraídos pelas roupas e tênis de marca, pelo poder das armas e pelo encanto de sereia do vício oferecidos pela criminalidade, e no médio prazo, o futuro era a vala comum que leva tantos jovens antes de completarem os trinta anos. Por isto, que todo o longo processo de caminhada pela terra, com toda dificuldade, valeu a pena. Porque podia ver seus filhos e netos viverem e serem criados livres, dentro da boa moralidade da coletividade sem terra, distante dos riscos da violência das grandes cidades.

Mais do que isto, ela viu os seus netos serem educados de forma digna. Um dos seus meninos, inclusive, conseguiu uma vaga para estudar agronomia em um dos cursos promovidos para jovens sem terra no Estado do Rio Grande do Sul. Outra menina, já estava se preparando e ansiosa para entrar em um curso de Direito. Mais do que a possibilidade do Diploma, o que a felicitava, era ver os seus netos animados por estudarem, segundo ela, na cidade ninguém quer saber de escola, ninguém respeita ninguém, ninguém aprende nada, coitados dos professores são acuados pelos baixos salários e pela violência do crime organizado. No campo é diferente, infelizmente o salário dos professores também não é dos melhores, porém os alunos são motivados, querem muito estudar e por isto respeitam tanto os professores. Estudar é um objetivo real para estas crianças: estudar para aplicar aquele conhecimento para os seus iguais.

A ex-desempregada Genoveva, juntos com seus filhos já se preparava para tirar a primeira colheita de feijão da terra conquistada e, também, aguardava o crédito do Pronaf para junto com os demais companheiros sem terra iniciar uma produção coletiva e, dali, daquela terra, antes improdutiva, tirar a renda para a sobrevivência e garantir uma mínima qualidade de vida para aqueles que da terra trabalha.

Quantas Genovevas poderiam ver a sua vida mudar do desamparo das periferias públicas para o trabalho coletivo, para o acesso a moradia, educação, segurança, saúde, tudo isto possibilitado pelo acesso a terra. Neste sentido, limitar o tamanho da propriedade rural no Brasil abriria a possibilidade que mais áreas pudessem ser utilizadas para a Reforma Agrária, para a produção de alimentos e para a produção de pessoas felizes.

(*) Os nomes utilizados neste artigo são fictícios

Elcio de Souza Magalhães

Plebiscito Popular pelo Limite da Propriedade da Terra entre 01 e 07 de setembro de 2010, mais informações: http://www.limitedaterra.org.br/index.php

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